“Elogiar alguém por sua perda de peso pode ser tão prejudicial quanto elogiar alguém por seu ganho de peso”, escreveu Demi Lovato no seu Instagram em uma postagem no stories em que discutia a recuperação de distúrbios alimentares. “Se você não conhece a história de alguém com comida, por favor, não comente sobre seu corpo”, continuou a postagem. “Porque mesmo que sua intenção seja pura, isso pode deixar essa pessoa acordada às 2 da manhã pensando nessa afirmação.”
O lembrete, da cantora que já falou abertamente sobre a sua luta contra um transtorno alimentar, mais uma vez destacou a gravidade de conviver com uma doença mental. Lovato continuou explicando exatamente por que “elogiar” a perda de peso é problemático: “Faz você se sentir bem? Sim, às vezes. Mas apenas para a voz barulhenta de distúrbio alimentar dentro da minha cabeça que diz 'Veja, as pessoas gostam de você mais magra' ou 'Se você comer menos, perderá ainda mais peso'. Mas também pode ser uma merda as vezes, porque começo a pensar 'O que eles pensavam do meu corpo antes?'”
Alguém que entende exatamente como é isso é Aimee Victoria Long, 28, uma personal trainer e influenciadora de fitness que agora está recuperada. “Eu me identifico com o que Demi está falando de várias maneiras; os comentários ‘positivos’ das pessoas sobre a minha perda de peso apenas validaram meus vômitos e exercícios físicos excessivos — isso alimenta a fera”, explica ela. “Comentários ao contrário, quando eu engordava, como 'você estava mais tonificada nesta foto' ou mesmo 'você parece bem', só me fez sentir pior sobre o meu corpo e levou a padrões de pensamento prejudiciais — ficava acordada de madrugada pensando na necessidade de fazer uma dieta drástica porque, de repente, você sente que não é mais visto como tendo uma boa aparência.”
O caso de Aimee ficou ainda mais complicado porque seu transtorno de compulsão alimentar periódica e anorexia nervosa também foram associadas à ortorexia — uma forma menos conhecida de alimentação desordenada que não é oficialmente classificada como uma condição médica. Decorre de uma obsessão por alimentos saudáveis. No caso de Aimee, isso envolveu a preparação de alimentos porcionados e restritivos e uma diminuição da ingestão de calorias combinada com o uso de laxantes e pílulas dietéticas para musculação, bem como um vício em exercícios “Cheguei a um ponto em que eu ia para a academia duas vezes por dia, no mínimo oito vezes por semana”, diz ela. "Se eu comesse um pouco de chocolate, voltaria novamente e passaria uma hora na esteira tentando queimá-lo."
Mas exercícios e "alimentação saudável" são tão encorajados na sociedade que os transtornos alimentares de Aimee não foram diagnosticados por vários anos e seus comportamentos foram frequentemente elogiados. “As pessoas comentavam como eu era saudável, como comia bem, treinava muito — me sentia incrível e bloqueei o fato de que o que realmente estava fazendo com meu corpo não era saudável”, explica Aimee. “Achava que assim que chegasse ao peso ideal, pararia com os hábitos pouco saudáveis. Mas eu não fiz. Eu era constantemente validada por comentários”.
Florence Gillet, uma coach de psicologia alimentar explica: “Os elogios reforçam a ideia de que controlar obsessivamente a comida e os exercícios é ‘certo’ e que isso a torna moralmente melhor do que qualquer outra pessoa. Toda a sua identidade pode ser envolvida em quão ‘saudável’ você é e você pode desenvolver o medo de comer alimentos considerados ‘divertidos’.” É algo que Florence, cuja própria batalha de uma década contra anorexia nervosa e a ortorexia começou quando queria perder peso para "ficar melhor" em seu vestido de noiva, experimentou em primeira mão. “Fiquei conhecida como a ‘garota em forma’ — aquela que sempre recusava guloseimas e mostrava um autocontrole incrível. Lembro-me de ser elogiada por nunca ter comido um donut no dia do donut no escritório. E ter orgulho disso”, lembra ela. “Mas essa rigidez é, na verdade, um sinal de alimentação desordenada. E em algum momento, mesmo se eu quisesse um donut, ficaria com medo de pegar um, porque eu o vincularia à desaprovação de outros.”
O peso de Florence caiu para níveis perigosos. “Eu não tinha peso para perder para começar, mas fui reforçada por narrativas da mídia sobre comer menos, bem como a validação das pessoas ao meu redor. Eu realmente me senti fortalecida por minha capacidade de ‘controlar’ meu corpo”, explica ela.
A gordura corporal de Florence ficou tão baixa que sua menstruação parou. Seu caminho para a recuperação começou quando ela decidiu ter um bebê — ela agora está recuperada e é mãe de dois filhos. “Precisamos parar de associar perda de peso e dieta ao sucesso”, explica ela. “As dietas têm efeitos colaterais perigosos, com cerca de 25% das pessoas que fazem dieta desenvolvendo um distúrbio alimentar. Essas são doenças mentais graves, com a anorexia tendo a maior taxa de mortalidade de todas as condições de saúde mental.”
Rachel Evans, uma psicóloga especializada em recuperação de transtornos alimentares concorda. “Qualquer comentário sobre o peso pode ser desencadeante e o transtorno alimentar muitas vezes encontra uma maneira de distorcer até mesmo o comentário mais bem-intencionado”, explica ela. “Não é incomum que pessoas com transtornos alimentares se auto-infligam ou abusem de substâncias porque odeiam muito o corpo. Comentários insensíveis ou não intencionais sobre o peso podem desencadear esses comportamentos.”
O que ela acha do comentário da Demi? “Acho que é brilhante e eu iria mais longe e diria que mesmo que você pense que alguém tem uma boa relação com os alimentos e com seu corpo, ainda não é apropriado comentar”, explica Rachel. “Muitas pessoas são muito boas em esconder inseguranças sobre seu corpo e alimentação desordenada — muitos dos meus clientes inicialmente não disseram nem mesmo a seus amigos mais próximos e familiares que estão sofrendo e vendo uma terapeuta”.
E ela acredita que precisamos mudar totalmente a narrativa sobre a perda de peso. “Não devemos elogiar a perda de peso, pois há muitos motivos pelos quais alguém pode ter perdido peso, incluindo estresse ou doença", explica ela. “Como sociedade, prevalece o padrão de beleza ‘magro ideal’. No entanto, os corpos vêm em diferentes formas e tamanhos, que não necessariamente se encaixam neste ideal. Não há nada inerentemente bem-sucedido ou malsucedido na forma natural do corpo de alguém. É importante lembrar que nosso peso ou forma corporal não definem nosso valor ou sucesso.”
Então, como podemos neutralizar essa norma social? “Um lugar para começar é mostrar corpos mais diversos na mídia para combater estereótipos como ‘o gordo engraçado’”, explica Rachel. “Em um nível individual, é importante evitar comentar sobre o peso de outras pessoas. Se você não consegue resistir a comentar sobre a aparência de alguém, você pode escolher algo sobre o que eles estão vestindo para elogiar ou até mesmo seu perfume.”
Por que precisamos parar de elogiar a perda de peso - Vogue Brasil
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