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Tuesday, September 28, 2021

Advogada relata invasão a escritório e diz que 'medo' impulsionou kit covid - UOL Notícias

A advogada Bruna Morato, representante legal de 12 médicos que fizeram denúncias contra a Prevent Senior, reafirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, que a operadora de saúde implementou uma política interna de "coerção", e que os profissionais de saúde acabaram receitando o chamado "kit covid" por medo de sofrerem retaliações, inclusive demissão.

A depoente disse também que a Prevent Senior e pessoas que integravam o chamado gabinete paralelo fizeram um "pacto" pró-hidroxicloroquina para evitar o estabelecimento de medidas de restrição social pelo país na pandemia.

Ainda, Bruna afirmou que teve o seu escritório invadido, em São Paulo, em uma situação definida por ela como "muito estranha". Um boletim de ocorrência foi registrado na Polícia Civil.

A Prevent Senior tem uma política de coerção, que ficou bem evidente após a denúncia, na verdade, mais evidente ainda com o vazamento de alguns áudios. Todos os clientes que resistiam foram demitidos da operadora, então existiam aqueles que já tinham sido demitidos e que achavam aquela situação repugnante. Outros que ainda estavam na operadora ainda lutam pelo bem-estar dos pacientes. Então, quando eles me procuraram, eles pediram que eu nem os identificasse para o próprio jurídico da empresa, porque eles sabiam que, se fossem identificados, eles seriam demitidos. E volto a dizer: são bons médicos."
Bruna Morato, advogada

Médicos relataram medo de represálias

Bruna afirmou que os profissionais das unidades da Prevent eram obrigados a prescrever o chamado kit covid com hidroxicloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19. Caso contrário, corriam risco de sofrerem retaliações ou até mesmo serem demitidos, disse.

"Chegou a um ponto lamentável, na minha opinião. Esse kit era composto por oito itens. O plantonista dizia para o paciente: 'Preciso te dar. Se eu não der, sou demitido. Se você for tomar, toma só as vitaminas e proteínas. Os outros [medicamentos], além de não terem eficácia, são muito perigosos", disse.

Um exemplar do chamado kit covid distribuído pela Prevent Senior, segundo profissionais que denunciam a empresa por supostas irregularidades. Ele seria composto por azitromicina (antibiótico), ivermectina (antiparasitário), hidroxicloroquina, corticoide, vitaminas e suplemento alimentar de proteína em pó - Reprodução - Reprodução

Um exemplar do chamado kit covid distribuído pela Prevent Senior, segundo profissionais que denunciam a empresa por supostas irregularidades. Ele seria composto por azitromicina (antibiótico), ivermectina (antiparasitário), hidroxicloroquina, corticoide, vitaminas e suplemento alimentar de proteína em pó

Imagem: Reprodução

A advogada ressaltou que público-alvo da operadora de saúde é formado por idosos acima de 60 anos e que "o conjunto de medicamentos, apesar de ser ineficaz, para aquela população se tornava potencialmente letal".

Segundo Bruna, os kits oferecidos pela Prevent eram lacrados e com instruções prontas. Portanto, os médicos não teriam autonomia para prescrever o que achavam mais correto, alegou.

Na semana passada, o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, defendeu que os médicos tinham autonomia para determinar o tratamento ideal.

Apesar de rebater as demais acusações contra a empresa, Batista Júnior confirmou que houve a orientação para que os médicos modificassem o CID (código de diagnóstico) de pacientes que deram entrada com covid-19, após 14 ou 21 dias, a depender do caso de cada um.

Ele alegou que a medida foi tomada para que se identificassem pacientes que não representariam mais riscos de transmissão do novo coronavírus. Senadores da CPI, porém, enxergaram uma tentativa de manipulação e subnotificação de casos e mortes.

'Pacto' pró-hidroxicloroquina para evitar lockdown

No depoimento, Bruna afirmou que a Prevent Senior e supostos integrantes do chamado gabinete paralelo fizeram um "pacto" pró-hidroxicloroquina para evitar o lockdown pelo país. O gabinete paralelo seria um grupo de assessoramento informal à Presidência da República durante a pandemia à revelia das orientações do Ministério da Saúde.

Segunda a advogada, os médicos lhe relataram que existia interesse do Ministério da Economia para que o comércio e a indústria do país não parassem a fim de não haver um "abalo econômico muito grande". Por isso, formularam um "plano para que as pessoas pudessem sair às ruas sem medo".

"Qual era essa estratégia? Através do aconselhamento de médicos... Esses médicos eu posso citar também de forma nominal, porque me foi dada essa explicação: o Dr. Anthony Wong, toxicologista responsável por desenvolver um conjunto medicamentoso atóxico; a Dra. Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, a qual deveria disseminar informações a respeito da resposta imunológica das pessoas; o virologista Paolo Zanotto, para que ele falasse a respeito do vírus e tratasse a respeito dessa situação de forma mais abrangente, evocando notícias. E a Prevent Senior iria entrar para colaborar com essas pessoas. É como se fosse uma troca, a qual nós chamamos na denúncia de pacto, porque assim me foi dito. Alguns médicos descreveram como aliança; outros médicos descreveram como pacto", declarou.

A CPI investiga o envolvimento de Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto no gabinete paralelo praticamente desde o início dos trabalhos. A médica chegou a depor à comissão, mas negou qualquer participação no grupo.

Anthony Wong morreu em 15 de janeiro deste ano, após ficar internado em um dos hospitais da Prevent Senior desde dezembro de 2020. Ele foi internado com sintomas de covid-19, segundo prontuário médico em reportagem da revista Piauí. Contudo, de acordo com a reportagem, a morte em decorrência do coronavírus teria sido ocultada.

A advogada Bruna Morato, que representa médicos da Prevent Senior, durante depoimento à CPI da Covid - Roque de Sá/Agência Senado - Roque de Sá/Agência Senado

A advogada Bruna Morato, que representa médicos da Prevent Senior, durante depoimento à CPI da Covid

Imagem: Roque de Sá/Agência Senado

A advogada dos médicos disse que esse "pacto" dava "certa segurança" para a Prevent Senior de que a empresa não sofreria fiscalização do Ministério da Saúde ou de outros órgãos vinculados.

"Inclusive, foi essa segurança que fez nascer neles o interesse de iniciar um protocolo experimental cientes de que não seriam devidamente investigados ou averiguados pelo ministério", completou.

Bruna Morato negou ter ouvido que o ministro da Economia, Paulo Guedes, estaria diretamente envolvido no suposto pacto.

Na verdade, o que eles falavam era de um alinhamento ideológico. A economia não podia parar, e o que eles tinham que fazer era isto: conceder esperança para que as pessoas saíssem às ruas. E essa esperança tinha um nome: hidroxicloroquina."
Bruna Morato, advogada

O diretor-executivo da Prevent chegou a dizer na CPI que foi incluído em grupo de WhatsApp pelo empresário Carlos Wizard, outro suspeito de compor o chamado gabinete paralelo. Porém, Batista Júnior disse ter logo saído do grupo no aplicativo após não ver um "objetivo" para as pessoas incluídas ali. Ele não disse qual seria o assunto do grupo ou os participantes.

CPI vê possível elo com conselhos

A CPI passará a investigar também a eventual participação de conselhos nesse suposto "pacto" e na adoção do kit covid relatados pela advogada. Isso porque ela disse que médicos que ajudaram a montar o dossiê contra a Prevent "recebiam a informação de que o Conselho Federal de Medicina e de que o Cremesp, de São Paulo, ou seja o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, teriam relação com a empresa, de modo que eles tinham muito medo de levar essas denúncias ao Cremesp".

A CPI aprovou hoje um pedido para que a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal investiguem o CFM (Conselho Federal de Medicina), o Cremesp e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). O objetivo é verificar se houve omissão dos órgãos em relação à operadora de saúde.

Em nota, o Cremesp afirmou estar investigando "rigorosamente" as denúncias envolvendo a Prevent Senior em relação à pesquisa sobre teste de eficácia de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento da covid-19, à suspeita de fraude em atestados de óbito durante a pandemia e ao envio dos kits covid de maneira compulsória, além de suposta imposição aos médicos de cumprimento de protocolo institucional.

Invasão a escritório

Bruna Morato narrou uma invasão ao seu escritório profissional logo depois que as denúncias do grupo de médicos e ex-médicos da Prevent Senior se tornaram públicas, mas ressaltou não ter provas ou evidências que possam vincular o ato com uma suposta tentativa de vingança.

"Entraram no meu prédio com um equipamento eletrônico muito moderno para o que foram fazer. Duplicaram o IP [protocolo de internet, na sigla em inglês] de todas as câmeras de todos os andares e deixaram o sistema de segurança vulnerável por quatro dias."

Bruna afirmou que, do seu escritório, foram furtados um computador e um iPad, ambos bloqueados com senha.

No dia da invasão, disse a advogada, o grupo também rompeu o cano de um banheiro no escritório vizinho ao dela. A depoente precisou prestar esclarecimentos a outros condôminos e afirmou que a situação foi "constrangedora".

A advogada afirmou ainda que os arrombamentos foram "muito bem feitos" e que a câmera flagrou "pessoas bem vestidas" na noite da invasão.

Após a situação, Bruna disse que passou a se sentir ameaçada e que apenas itens de baixo valor foram levados para "desvalorizar o boletim de ocorrência".

"Sim, eu sofri ameaça, é uma política um tanto quanto complicada. Eu não posso afirmar que as ameaças que eu recebi foram por conta da Prevent Senior ou de responsabilidade da Prevent Senior, até porque nunca ninguém se identificou ou nunca ninguém foi responsabilizado."

Bruna pediu hoje à CPI proteção policial. A secretaria da comissão deverá pedir o acompanhamento de agentes de segurança da Polícia Federal para a advogada, da mesma forma como já fez com outros depoentes.

Denúncias contra a Prevent Senior

A Prevent Senior, que já é alvo de investigações no Ministério Público, na Polícia Civil e na CPI da Covid, é acusada de supostamente pressionar seus médicos conveniados a tratar pacientes com substâncias do "kit covid", como hidroxicloroquina, que não tem eficácia comprovada contra a covid-19.

A empresa também é suspeita de ter conduzido um estudo sobre a hidroxicloroquina no tratamento da doença sem avisar pacientes nem seus parentes. Tal estudo teria omitido mortes de pacientes, influenciando o resultado para dar a impressão de que o medicamento seria eficaz.

O procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo, criou uma espécie de força-tarefa para investigar as denúncias contra a Prevent Senior.

Diante das acusações, a empresa vem argumentando que não havia orientação direta para uso da hidroxicloroquina ou cloroquina porque os médicos são livres para prescrever o medicamento que julgarem mais adequado para cada paciente.

A empresa nega que tenha adulterado qualquer estudo clínico. Há suspeita de que pacientes que morreram em decorrência da covid tiveram seus atestados de óbito emitidos sem referência à doença causada pelo coronavírus, como Regina Hang, mãe do empresário Luciano Hang, dono da rede varejista Havan e apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A CPI da Covid ouvirá Luciano Hang amanhã (29) para esclarecer dúvidas referentes ao caso da Prevent Senior. Ele também será cobrado a responder questionamentos sobre disseminação de fake news e sua suposta participação no que "gabinete paralelo".

O que diz a Prevent Senior

Procurada pelo UOL, a Prevent Senior afirmou que o depoimento da advogada Bruna Morato à comissão "confirma que se tratam de acusações infundadas, que têm como base mensagens truncadas ou editadas vazadas à imprensa e serão desmontadas ao longo das investigações". Disse ainda que "estranha o fato" de ela manter os autores da acusações sob anonimato e que não teve acesso aos autos da CPI para fazer sua ampla defesa.

A Prevent afirmou que a advogada já havia levado o "mesmo teor dessas imputações" à empresa antes da CPI para tentar fechar um acordo para não levar o caso à comissão.

À reportagem, Bruna confirmou a tentativa de acordo. Segundo ela, o acordo procurado não envolvia dinheiro. Segundo ela, a intenção era que a empresa reconhecesse dois pontos relativos a ações tomadas, como o estímulo ao chamado kit covid, e ajudasse os profissionais em eventuais processos que sofressem por conta do trabalho realizado na rede. Ou seja, os médicos também querem se defender de eventuais acusações de má conduta ética.

Na nota de hoje, a Prevent voltou também a dizer que sempre respeitou a autonomia dos médicos, "nunca demitindo profissionais por causa de suas convicções técnicas".

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