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Thursday, December 2, 2021

Saúde bucal afeta imunidade e desempenho esportivo - globoesporte.com

A saúde da boca e os cuidados com os dentes não garantem apenas um sorriso bonito, livre de dores e de cáries. Eles estão diretamente relacionados com a saúde do organismo como um todo. Hoje, dentistas podem identificar sinais presentes na gengiva para ajudar a antecipar diagnósticos, trabalhar a alimentação de maneira integrada com um nutricionista e até mesmo se especializar em Odontologia do Esporte para ajudar a melhorar a performance e recuperação de quem pratica atividade física. Para entender melhor esta relação, o EU Atleta conversou com os dentistas Bruna Conde e Thales Wilson Cardoso, que também falaram sobre os principais problemas encontrados em relação à saúde bucal e cuidados que devem ser tomados para evitá-los, minimizá-los ou curá-los.

Dentes saudáveis e bem alinhados contribuem para a boa performance — Foto: Istock Getty Images

Dentes saudáveis e bem alinhados contribuem para a boa performance — Foto: Istock Getty Images

– Hoje em dia temos dentistas especializados em esportes. A odontologia é multidisciplinar, com diversas especialidades. Você não vai num único médico e a odontologia também está assim. A gente tende a ir no dentista de confiança, mas ele não vai ter todas as especialidades e às vezes não estará atualizado de tudo ou nem imagina que a saúde bucal do atleta é tão importante assim para a performance. Não só com os dentes, mas em todas as partes da cavidade bucal. Isso vai afetar toda a performance dele: o rendimento nos treinos, a respiração, a circulação e, até mesmo, as noites de sono – explica Bruna.

Um exemplo é o do jogador de futebol Orlando Berrío, então no Flamengo, que em 2018 fez tratamento dentário, com uso de placa ortodôntica, visando contribuir com a recuperação de uma lesão no joelho

De acordo com os dois especialistas, existem quatro principais problemas bucais que afetam a saúde e o desempenho do atleta:

  1. Problemas na gengiva, como sangramento e alteração de hálito. Através da corrente sanguínea, bactérias da boca que causam esses problemas podem atingir outros órgãos do corpo ou mesmo membros e articulações e gerar lesões ou atrasar a recuperação de outras já existentes. Além disto, o incômodo causado pelas dores pode acabar afetando o treino ou a rotina de sono;
  2. Dentes desgastados pela erosão, podendo haver a presença de cáries. O consumo de bebidas e alimentos ácidos como termogênicos, suplementos, shots de limão, alguns molhos para saladas ou mesmo café, vinhos e refrigerantes danifica o esmalte, caso a escovação não seja feita da maneira ideal. A consequência é aumentar as chances de perder um dente, gerando problema nutricional, além de causar sensibilidade e dores;
  3. Bruxismo, sobretudo noturno. O bruxismo se manifesta por alguns fatores principais como estresse e consumo de álcool ou cafeína e pode causar quebra de dentes, sensibilidade e dor de cabeça. Afeta a performance sobretudo pelas dores e desconforto que, a exemplo dos problemas na gengiva, atrapalham o foco no treino e as noites de sono. Sua correção pode ser feita pela plaquinha de acrílico ou mesmo por tratamentos não-convencionais, como hipnose.
  4. Problemas endodônticos, como os de canal. Afetam a performance também através das dores incômodas.
Em 2018, o jogador de futebol Orlando Berrío, então no Flamengo, fez tratamento dentário, com uso de placa ortodôntica, visando melhorar a recuperação de uma lesão no joelho — Foto: Giba Perez/GloboEsporte.com

Em 2018, o jogador de futebol Orlando Berrío, então no Flamengo, fez tratamento dentário, com uso de placa ortodôntica, visando melhorar a recuperação de uma lesão no joelho — Foto: Giba Perez/GloboEsporte.com

Cuidados a serem tomados

  • Escovação regular e uso de fio dental após as refeições;
  • Check-up odontológico ao menos duas vezes ao ano. De acordo com Bruna, às vezes, aparecem pequenos sinais que você não nota, mas podem indicar o início de um problema ainda não percebido;
  • Optar por escovas de dentes macias ou ultramacias e cremes dentais menos abrasivos. Estas escolhas ajudam a diminuir o desgaste no esmalte do dente pela escovação;
  • Não escovar os dentes imediatamente após o consumo de alimentos ácidos para dar tempo da saliva agir. O ideal é tomar uma água e esperar de 10 a 30 minutos para que a saliva crie uma camada de proteção capaz de evitar o desenvolvimento de problemas como cáries, gengivite, manchas e erosão. Ao consumir alimentos ácidos e escovar os dentes logo após, os abrasivos presentes no creme dental podem danificar o esmalte do dente, assim como escovas médias ou duras amplificam este dano;
  • Realizar um teste de sialometria, para identificar as características da saliva. Através dele, é possível encontrar – e, se necessário, tratar – uma tendência à boca seca, o que pode dificultar a digestão de alimentos, inclusive afetando estômago e intestino;
  • Fazer fluorterapia. Realizada no consultório do dentista, a colocação de flúor ajuda na remineralização e proteção dos dentes;
  • Usar protetores bucais e placas estabilizadoras, no caso de quem aperta ou range os os dentes. Geralmente, o seu uso está associado a lutas e outros esportes de alto impacto, porém podem ser usados até mesmo para práticas sem contato como pilates, caminhadas, pedaladas e natação. É importante ser modelado de acordo com a boca da pessoa e estar sempre bem ajustado;
  • Tratamento interdisciplinar entre dentista e nutricionista, para discutiram juntos sobre hábitos alimentares e suplementação.
Atividade física afeta positivamente a saúde bucal

Por ser causado por estresse, entre outras coisas, o ranger dos dentes de quando o bruxismo se manifesta tem na atividade física um potente aliado, já que a liberação de hormônios como a endorfina e a serotonina combate o estresse e traz uma sensação de alívio e bem-estar.

– Se você é uma pessoa muito estressada, muito nervosa e não pratica uma atividade física que faça você liberar mesmo tudo o que causa seu estresse do dia-a-dia, você vai afetar a sua boca. Você vai acabar apertando seus dentes, quebrando os seus dentes ou não escovando como deveria – pontua Bruna

A prática regular do exercício também ajuda no processo de recuperação do pH da saliva, sobretudo após a ingestão de alimentos ácidos, o que consequentemente melhora a proteção ao esmalte do dente, evitando os problemas de erosão e protegendo contra as cáries.

– Se você faz atividade física, você já tende a estar mais saudável. Você vai ajudar, principalmente, o processo de des-remineralização (que é a remineralização do dente após o consumo de algo que desmineralize o seu esmalte). Qualquer coisa que você coma, sobretudo carboidratos e açúcares, diminui o pH da sua saliva. Se você está com a atividade física regular, uma pressão boa e em homeostasia (equilíbrio do organismo), este processo vai acontecer mais facilmente. A saliva vai recuperar deste pH ácido mais rápido. A presença do flúor na água, o que acontece na maioria dos países hoje, inclusive no Brasil, junto com a atividade física, fazem com que o pH alcalino (bom) volte mais rápido – explica Thales.

Para além destes processos do dia-a-dia, Bruna explica que a saúde de todo o organismo está ligada a saúde bucal e, inclusive, diversos problemas podem dar seus primeiros sinais através de problemas na gengiva. Dois exemplos:

  1. A saúde bucal ajuda a evitar os problemas de gengiva, que são desconfortáveis, podem atrapalhar a recuperação de lesões e causar outras inflamações e problemas mais graves pelo corpo. Se você não cuida da sua saúde bucal, você fica mais suscetível a sofrer com diabetes descompensada ou risco de AVCs, por exemplo.
  2. A gengiva pode evidenciar problemas ainda não manifestados em outras partes do corpo, ajudando o diagnóstico precoce e preventivo. Problemas cardíacos, diabetes descompensada, obesidade e partos prematuros são algumas condições que podem manifestar-se na boca.

– A gente pensa que dentista é só lente de contato e aparelho ortodôntico, mas na verdade é saúde, que é a base de tudo. A sua gengiva responde por você. Se ela começar a sangrar ou você sentir alguma coisa estranha como dores, coceira, pontadas ou mesmo lesões na boca, como herpes e aftas, pode ser algum sinal. Há feridas ou sangramentos espontâneos, dente moles ou com raízes expostas que não estão relacionados com a falta de higiene. Às vezes eu vejo algo na boca dos pacientes, peço um check-up com revisão médica e exame de sangue e quando vai ver a imunidade dele está toda afetada e ele tem problemas em outras partes do organismo. A gente (muitas vezes) vê os primeiros sinais pela boca, antes de todo o resto. Dependendo dos resultados dos exames, o dentista pode encaminhar para o médico responsável e, se for o caso, até tratar os dois juntos, como saúde integral – explica Bruna.

A dentista acrescenta que existe uma questão comportamental por trás da relação da prática esportiva e da saúde geral do organismo com o cuidado que o indivíduo apresenta com seus dentes e boca. Quem se exercita tende a zelar pela saúde como um todo e este impacto positivo chega também à cavidade bucal, gerando hábitos benéficos para esta região do corpo.

– Quando você está cuidando da sua saúde de forma completa, você costuma também estar cuidando da sua saúde bucal. A regularidade de exercicios fisicos ajuda no seu bem-estar e no seu próprio relaxamento e organização da vida. Então a pessoa acaba tendo hábitos mais saudáveis também em relação a boca – ela completa.

Aparelho ortodôntico: mais do que apenas estética

Um bom alinhamento da arcada dentária é mais um aspecto capaz de ter um impacto positivo na saúde do organismo como um todo e, consequentemente, também da performance esportiva. Bruna explica que uma boa oclusão, isto é, o contato realizado entre os dentes inferiores e superiores no momento da mordida afeta na digestão e, consequentemente, no processo de aproveitamento dos nutrientes ingeridos, tal como reduzir os riscos de inflamações por acúmulo de alimento entre os dentes e gengivas.

– Vários artigos antigamente falavam que a má oclusão, que é quando a mordida não está certinha, traz maior tendência de o atleta ter problemas de performance. Ao mesmo tempo, nós observamos vários atletas que não têm a oclusão perfeita, mas não apresentam problemas no rendimento. Ao alinhar os dentes, você ganha estética, ganha função e vai acumular menos alimento, não vai ter tanta inflamação. Você têm mais chances de ter hábitos saudáveis, mas não é regra. O alinhamento facilita, mas não é um fator determinante para a saúde bucal, que é o que importa no fim das contas – Bruna explica.

Thales, por sua vez, lembra da Copa do Mundo de 1994, quando muitos jogadores da Seleção Brasileira, que sairia campeã naquele torneio, apresentavam problemas bucais e utilizavam próteses dentárias, o que afetava o rendimento deles. Entretanto, ele ressalta que hoje, com maior estudo e conhecimento nesta área, atletas do nível de Cristiano Ronaldo e Neymar sabem da importância de cuidar também da saúde bucal. O dentista ainda lembrou o caso do volante Casemiro, que foi desconvocado de três jogos das Eliminatórias por conta de uma pericoronarite em um dos sisos.

– O Ronaldinho Gaúcho também é um caso bem interessante. Ele veio a tratar os dentes mais tardiamente, quando jogou no Atlético Mineiro. Ele fez algumas cirurgias e tratamentos, mas acreditava-se que a performance dele teria sido ainda melhor se ele já tivesse desde antes uma boa oclusão. É meio maluca esta relação, mas hoje em dia se sabe que ele poderia ter tido mais potência no chute ou velocidade. Pesquisas recentes da USP apontam que uma má oclusão pode, inclusive, afetar o alinhamento da coluna e a saúde do joelho – acrescenta Thales.

Fontes:
Bruna Conde é cirurgiã-dentista pós-graduada em Periodontia e em Disfunção Temporomandibular. É membro da Associação Brasileira de Halitose (ABHA) e da Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS).
O cirurgião-dentista
Thales Wilson Cardoso é graduado em Odontologia pela UNESP, em São José dos Campos, e especialista em Saúde Pública pela Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD). É diretor administrativo da Corporação Internacional de Atenção e Educação em Saúde Oral (CIAESO), no Chile, e já ministrou palestras na Universidade de Harvard, nos EUA.

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