Dada a sua importância para as pessoas que convivem com o diabetes, os exercícios físicos são considerados parte do tratamento. Quando associados a controle da alimentação e uso de medicamentos, contribuem para manter a glicemia sob controle. No entanto, para que essa prática seja realmente benéfica, é preciso adotar uma série de medidas, desde a monitorização dos níveis glicêmicos através antes, durante e após a atividade física até cuidados com os pés, para evitar a neuropatia periférica, passando pela atenção até a escolha dos alimentos e a hidratação pré, intra e pós-treino. Afinal, pacientes diabéticos precisam evitar os riscos de hiperglicemia ou hipoglicemia, que podem resultar em fraqueza, perda de coordenação e falta de concentração, podendo levar até a óbito. Para conhecer as medidas, o EU Atleta conversou com o médico endocrinologista Marcio Krakauer e com o profissional de Educação Física Emerson Bisan, que também tem a doença.
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Exercícios são parte do tratamento do diabetes, mas requerem cuidados e informação para serem feitos com segurança — Foto: Istock Getty Images
Krakauer, que é membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (Sbem-SP) observa que há quatro pilares do tratamento do diabetes:
- Exercícios físicos;
- Alimentação adequada;
- Medicamentos como insulina e outros, que a pessoa pode precisar utilizar ou não;
- Educação sobre a doença.
No entanto, o endocrinologista pontua que, quando se trata da recomendação de atividades físicas para pessoas com esse problema, é preciso considerar uma série de fatores. Afinal, a depender de uma série de variantes, a atividade pode ter diferentes impactos sobre a glicemia e, portanto, sua prescrição deve ser sempre individualizada. Entre os principais fatores que devem ser levados em conta estão:
- Tipo de diabetes - pode ser do tipo 1, 2 ou gestacional;
- Idade do paciente;
- Condição médica e composição muscular do indivíduo;
- Modalidade a ser praticada.
Feito esse alerta, o médico esclarece ainda que, uma forma geral, exercícios leves a moderados permitem melhor utilizar a glicose na corrente sanguínea, ajudando a mantê-la em níveis adequados durante a atividade e nas horas subsequentes.
Lembrando que isso não exclui a necessidade de monitorar os a glicemia antes, no decorrer e após a prática, ou de estar munido de um carboidrato para o caso de, a partir dessa verificação, observar uma tendência de hipoglicemia. Atividades mais intensas, por outro lado, inspiram mais atenção do paciente diabético. Isso porque, como geram mais estresse para o corpo, liberam substâncias químicas e neurotransmissores que podem aumentar os níveis glicêmicos enquanto se faz o exercício. Além disso, horas depois do treino, como o músculo continua consumindo glicose para fazer sua contração, o indivíduo pode apresentar um quadro de hipoglicemia.
- Hipoglicemia - Há uma queda acentuada na glicose, que fica abaixo de 70 mg/dl, com sintomas como confusão mental, palpitações, tremores, ansiedade, taquicardia, sonolência, convulsões e inconsciência;
- Hiperglicemia - Há uma alta acentuada na glicose, geralmente com aumento de açúcar na urina, com sintomas como sede e fome excessivas, vontade frequente de fazer xixi, fadiga, dor de cabeça e dificuldade para respirar.
– O mais importante é que a prática de exercício de forma saudável evita o aumento da glicose no momento da atividade e hipoglicemia tardiamente. De forma global e independentemente de todos os fatores, a grande questão é que o exercício é extremamente benéfico para qualquer ser humano, em especial para quem tem diabetes. Mas o paciente precisa de educação. Sem isso, não há tratamento. Ele precisa conhecer o diabetes. No caso da educação para o exercício, é preciso saber o que pode acontecer e fazer a monitorização – discorre Krakauer, lembrando que a diabetes é importante fator de risco para agravamento da Covid-19.
Além de profissional de Educação Física, Emerson Bisan tem a experiência de conviver com o diabetes há 25 anos. O diagnóstico da doença não foi um motivo para ele se afastar da prática de esportes. Pelo contrário, Bisan já participou de 96 maratonas desde que descobriu que tinha diabetes. Porém, mais do que recorrer ao esporte para cuidar de si, ele decidiu ajudar outras pessoas com a doença a praticarem esportes com segurança. Essa tornou-se a sua missão de vida. Não é à toa que Bisan é coordenador de Atividades Físicas da organização sem fins lucrativos Correndo pelo Diabetes, voltada para o estímulo à prática regular de atividades físicas para a promoção da saúde e inclusão da pessoa com a doença.
Embora exercícios de força e aeróbicos ajam de forma distinta, mais importante é manter regularidade na prática e monitorar níveis glicêmicos — Foto: Istock Getty Images
Bisan afirma que, enquanto os exercícios previnem complicações do diabetes tipo 1 no longo prazo, como problemas cardiovasculares e dislipidemia, são também fundamentais para quem convive com o tipo 2, pois a atividade física facilita a entrada da glicose nas células sem precisar de insulina exógena. Embora argumente que é importante que o indivíduo varie nas modalidades praticadas, incluindo trabalho de força, aeróbico e até alongamento em sua rotina, o profissional de Educação Física afirma que mais necessário ainda é manter uma regularidade.
– A mensagem que costumo deixar é que se tiver todo controle e informação sobre monitoramento da glicemia e autocuidado, a pessoa pode realizar qualquer atividade. Costumo dizer que não devemos burocratizar a prática. O importante é a regularidade, incluir uma sequência de exercícios no seu dia a dia. O ideal é fazer um trabalho muscular, cardiovascular e de mobilidade e alongamento. Mas se a pessoa não consegue, é preciso optar pelo que é fácil de colocar na sua rotina – observa o profissional de Educação Física, reforçando que, além de estar sempre munida de informações sobre sua glicose e alimentação, a pessoa deve contar sempre com um carboidrato de rápida absorção para essa experiência ser mais segura e benéfica. – Não saia para 1 km de caminhada sem ter carboidrato à mão para dar uma volta ao mundo.
Checklist para a prática de exercícios
Para ajudar quem convive com a doença, com o apoio do endocrinologista e do profissional de Educação Física, preparamos outras orientações para que indivíduos diabéticos realizarem exercícios com segurança.
Antes:
- Consulte o seu médico quando for começar a praticar um exercício e conte com o suporte de um profissional de Educação Física. Para caminhar não há restrições, embora também seja importante medir a glicemia para acompanhar como o organismo reage à atividade e ter um carboidrato à mão. Mas para qualquer outra atividade, é preciso orientação e educação para lidar com a doença;
- Realize uma avaliação cardiológica antes de começar qualquer programa de exercício. A pessoa com diabetes pode estar sujeita à neuropatia autonômica, que afeta nervos dos órgãos internos, incluindo o coração, e pode causar um mal súbito. Procure um cardiologista ou converse com o seu endocrinologista ou clínico geral;
- Caso não tenha uma rede de suporte que além do seu médico inclua profissional de Educação Física e nutricionista, por exemplo, faça parte de alguma organização, associação ou grupo que ofereça apoio a pessoas com diabetes. Há diversas instituições pelo país afora que oferecem essa orientação de forma individualizada;
- Verifique a sua glicemia no momento de iniciar o exercício. Não se trata de observar apenas o número absoluto, mas de saber a tendência dentro da faixa ideal de glicemia capilar de 100 mg/dl a 200 mg/dl, conforme recomenda a Sociedade Brasileira de Diabetes;
- Certifique-se da duração do medicamento caso você faça uso de insulina aplicada com seringa, caneta ou bomba ou utilize remédio via oral. Afinal, sua atuação pode acontecer ainda no momento do exercício. E como há gasto de energia e consumo de glicose nessa hora, o risco de hipoglicemia é aumentado. Por isso, é fundamental conhecer a ação do medicamento;
- Considere a atividade a ser realizada e sua duração, bem como quando foi a sua refeição e a composição dela. É preciso ter a quantidade de carboidrato suficiente para fazer seu exercício tranquilamente. Mas se não terá um gasto energético muito elevado, não é preciso ingerir alimentos com mais energia;
- Tenha sempre à mão um carboidrato de rápida absorção para evitar uma hipoglicemia. Isso vale para qualquer atividade, até uma caminhada de meia hora. Para fazer essa reposição, é possível contar com uma garrafa de suco, rapadura, sachê de glicose ou gel esportivo, entre tantas possibilidades. Converse com o seu médico e/ou nutricionista para ter essa recomendação;
- Evite treinos de alta intensidade à noite, para prevenir uma hipoglicemia no meio do sono, já que, dependendo do exercício, o metabolismo pode ficar acelerado por até 24 horas;
- Escolha um tênis confortável e apropriado para a prática. Afinal, dentre as complicações do diabetes está a neuropatia periférica. Como nesses casos perde-se a sensibilidade nas extremidades, se o calçado estiver apertado, o indivíduo não sentirá os impactos e atritos que causam lesões e feridas. Uma dica é optar por um tênis um número maior. Recorra ainda ao uso de palmilha de gel, que diminui o impacto e ajuda a instalar melhor o pé no tênis;
- Use sempre meias brancas, para permitir identificar rapidamente se há alguma ferida nos pés, e sem costuras, para evitar atrito.
Durante:
Estabeleça um protocolo para a monitorização da glicemia antes, durante e após a atividade física escolhida — Foto: Divulgação Getty Images
- Faça a monitorização da glicemia. Não espere os sintomas aparecerem. Se isso acontecer, é um sinal de que já está com uma hipoglicemia ou hiperglicemia. Realize essa medição regularmente;
- Crie um protocolo para monitorar a sua glicemia. Essa orientação é muito individual, mas, de uma forma geral, devem ser considerados fatores como o tipo atividade, horário, temperatura e local em que aplicou a insulina - afinal, se exigir muito do músculo próximo a essa área, pode haver o risco de hipoglicemia. Se não está habituado a fazer caminhadas, quando for realizar essa atividade por meia hora, verifique esses valores a cada dez minutos. Considere ainda o horário da refeição e o que foi consumido. Com orientação especializada, vale até verificar o comportamento glicêmico ao consumir determinados alimentos, como batata ou macarrão, antes do exercício. Estabeleça um histórico de reação do seu corpo. Afinal, cada um reage de uma forma;
- Hidrate-se! Quando a glicemia está mais elevada, por exemplo, o corpo tende a eliminar o excesso de glicose e pode haver desidratação. Não descuide, portanto, da ingestão de água.
Depois:
Cheque sempre os seus pés em busca de feridas após os exercícios, mesmo que seja uma leve caminhada — Foto: iStock Getty Images
- Verifique os seus pés em busca de feridas após qualquer exercício. Pode ser uma simples caminhada. Sempre faça essa observação. Retire as meias, limpe bem os pés e examine-os. Se tiver alguma dificuldade de mobilidade, conte com o uso de um espelho para verificar a presença de feridas;
- Cuide de suas unhas e pés. Considere até ir a um podólogo duas vezes por ano, em média, para tanto;
- Faça uma reposição hídrica adequada. Não se esqueça dos sais minerais, se a atividade for mais intensa e tiver mais de uma hora de duração. No entanto, vale lembrar que o uso de isotônicos deve ser feito de forma controlada, uma vez que tem açúcar, devendo ser contabilizado no uso do medicamento. Para mais orientações, converse com o seu médico ou um nutricionista.
Fontes: Marcio Krakauer é médico endocrinologista, fundador e presidente da Associação de Diabetes do ABC (ADIABC) desde 1998, coordenador geral da endocrinologia do Grupo Leforte - HMCG, coordenador do Departamento de Tecnologia, Saúde Digital e Telemedicina em Diabetes da Sociedade Brasileira de Diabetes, médico voluntário na Liga de Diabetes da Faculdade de Medicina do ABC PI e pesquisador principal desde 2013 do Centro de Pesquisa Clínica Science Valle Research Institute.
Emerson Bisan é profissional de Educação Física e portador de diabetes do tipo 1. Treinador da Nova Equipe Assessoria Esportiva, é também educador em diabetes, maratonista com 96 maratonas no currículo e ultramaratonista. Foi eleito o Atleta SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes) em 2019.
Diabetes: dicas para antes, durante e depois dos exercícios - globoesporte.com
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