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Tuesday, May 25, 2021

Mayra Pinheiro, conhecida como 'Capitã Cloroquina', diz que houve orientação da Saúde para tratamento precoce contra a Covid-19 - Jornal O Globo

BRASÍLIA - A secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”, afirmou em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira que, durante a pandemia, o Ministério da Saúde orientou médicos em todo o país sobre o tratamento precoce contra Covid-19. Ela disse também que, diante do número de mortes pela doença durante a crise de oxigênio em Manaus, era “inadmissível não ter a adoção de todas as medidas”, em referência ao uso da cloroquina e da hidroxicloroquina (substâncias que, apesar de ineficazes, a própria família dela teria utilizado) e negou responsabilidade da pasta sobre o caos na capital amazonense.

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Durante a sabatina, que começou por volta das 10h e foi encerrada às 17h, Mayra ainda contradisse o ex-ministro Eduardo Pazuello, que havia informado aos senadores ter sido informado da situação crítica da capital amazonense em 10 de janeiro. Segundo ela, o alerta teria acontecido no dia 8 daquele mês.

Mayra foi questionada diversas vezes pelos parlamentares sobre a postura da pasta e a própria opinião sobre o tratamento precoce contra a Covid. Em uma resposta ao senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, a secretária evitou utilizar a expressão e se referiu ao protocolo como “tratamento no início da doença”. Quando perguntada anteriormente por Renan Calheiros (MDB-AL) se houve orientação da Saúde neste sentido, ela afirmou positivamente.

— A orientação é para todos os médicos brasileiros, não só para Manaus — disse Mayra, mencionando uma indicação feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

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Lotada na pasta desde a gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, tornou-se uma das defensoras mais ferrenhas no governo, a partir do período de Pazuello como chefe, do tratamento com cloroquina e hidroxicloroquina para a Covid — vem daí o apelido “Capitã Cloroquina”.

Diante dos estudos que comprovam a ineficácia das substâncias contra o novo coronavírus, e os efeitos colaterais causados por elas, Mayra foi perguntada se mantém a indicação para que brasileiros e brasileiras utilizem a cloroquina para se tratar:

— Eu mantenho a orientação enquanto médica de que possamos usar todos os recursos possíveis — respondeu.

Visitas a unidades

Ao comentar o colapso do sistema de saúde em Manaus, a secretária confirmou ter dito que era “inadmissível” os médicos da cidade não administrarem cloroquina em seus pacientes naquele momento — o termo foi utilizado em um ofício a Secretaria de Saúde de Manaus, no início de janeiro, em que ela pedia autorização para visitar Unidades Básicas de Saúde (UBS) para falar do tratamento precoce.

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Ela justificou a fala diante do momento em que múltiplas mortes ocorriam ao mesmo tempo, sem que profissionais da Saúde pudessem recorrer ao insumo que abastece respiradores mecânicos e outros equipamentos:

— No contexto da quantidade de óbitos, como médica, é inadmissível não ter a adoção de todas as medidas — disse Mayara, negando responsabilidade do Ministério da Saúde naquele grave episódio: — Nenhuma responsabilidade. A responsabilidade da doença é do vírus.

Durante a tarde, o senador de oposição Rogério Carvalho (PT-SE) executou na CPI a gravação de um áudio em que Mayra respondia a Renan Calheiros, mais cedo,  que não visitou as UBS de Manaus. Mas, outra gravação, feita em janeiro, mostrou que ela esteve sim em unidades da capital amazonense. Mayra reclamou por ter sido chamada de “mentirosa” por Carvalho e pediu respeito ao senador.

Doses 'tóxicas' de cloroquina

No depoimento, Mayra afirmou que o que provocou a morte de pacientes em Manaus não foi o uso da medicação, mas as doses elevadas dela:

— Nós exercemos o nosso papel de não prevaricar e assim decidimos fazer uma orientação segura, já que a medicação vinha sendo usada no país, e temíamos casos como o de Manaus, de que as pessoas viessem a óbito não pela medicação, mas por doses tóxicas, que foi o que aconteceu.

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O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) citou agências estrangeiras que não orientam a cloroquina ou hidroxicloroquina. Em resposta, Mayra disse que há outros países, além do Brasil, que agem na contramão e atuam a favor dos remédios. O senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, lembrou que não tem nenhuma medicação para evitar contrair o sarampo, paralisia infantil ou varíola, mas apenas vacina.

— Como inventaram agora que a hidroxicloroquina pode evitar a contaminação pelo coronavírus? — indagou Otto. — Não tem estudo que comprove isso. Estou aqui falando cientificamente, depois de estudar muito a questão — acrescentou.

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Otto também disse que há grandeza em quem reconhece os próprios erros, convidando Mayra a se retratar das próprias colocações:

— Vi seu currículo, sei da sua boa intenção — disse Otto, acrescentando: — Essa insistência de permanecer no erro não é virtude, doutora. É defeito de personalidade. Não é da senhora não, estou me referindo até ao presidente. Eu sempre digo que errar é humano. Mas os grandes homens e as grandes mulheres reconhecem e corrigem seus erros, para não errar permanentemente e matar as pessoas.

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) citou documentos dos governos de Alagoas, Bahia, São Paulo e Amapá que, segundo ele, orientam o tratamento precoce. Disse ainda que, pelo menos até agosto do ano passado, São Paulo distribuiu cloroquina no estado. O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL), é filho do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), crítico de Bolsonaro. De acordo com Marcos, a orientação do governo baiano foi revista apenas em março deste ano.

O senador Humberto Costa (PT-PE), que já foi ministro da Saúde, destacou que ações tocadas por Mayra em relação à cloroquina e ao TrateCov não seriam de responsabilidade dela no Ministério da Saúde. Ele também questionou cursos oferecidos pela secretaria aos profissionais de saúde no enfrentamento à pandemia. Mayra citou alguns, mas Humberto avaliou que essas ações, que eram de responsabilidade da área chefiada por ela, não fizeram nem "cócegas".

— O que era da sua alçada, a senhora não fez. O que era, a senhora estudou, chefiou um grupo de médicos para ir a Manaus — disse Humberto.

Plano de saúde que usou cloroquina

O senador governista Jorginho Mello perguntou se Mayra tinha conhecimento sobre o grupo Prevent Senior, um plano de saúde que usou cloroquina.

— Sim, senhor. Inclusive nós recebemos contribuições para conhecimento de várias empresas privadas de saúde no país, com ótimo desfecho — disse.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), então perguntou:

— A senhora tem percentual de óbitos?

— Não, não lembro — respondeu Mayra.

— Como a senhora afirma que tem excelente êxito? — indagou Omar.

Mayra também afirmou que o "lockdown", medida criticada pelo governo, pode trazer miséria e desemprego.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) citou os números de uma pesquisa da FGV segundo a qual a maioria dos médicos não se capacitou a respeito da Covid-19. Mayra afirmou que o Ministério da Saúde ofereceu cursos, mas os profissionais têm livre arbítrio para fazê-los ou não. Argumentou também que muitos deles podem não ter tido tempo para a capacitação, em razão justamente do trabalho de combate à doença.

Indagada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sobre o comportamento do  presidente Jair Bolsonaro em evento no Rio de Janeiro sem máscara e sem  distanciamento social, a secretária preferiu não comentar.

– A minha presença aqui é técnica. Eu uso máscara e faço distanciamento social. Eu não vou comentar – disse Mayra, que também não respondeu sobre declarações dadas por Bolsonaro.

A secretária disse também que orienta que a  população tome vacina contra Covid-19 mesmo que já tenha contraído a doença.

Randolfe citou o documento de Mayra de janeiro dizendo ser inadmissível não usar a cloroquina ou hidroxicloroquina em Manaus, o que ela confirmou. Em seguida, o senador concluiu que a secretária contradisse o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em depoimento prestado na semana passada, ele negou que o Ministério da Saúde tenha recomendado a cloroquina para tratamento precoce. Na ocasião, questionado sobre a nota informativa da pasta, o ex-ministro disse esse documento "não recomenda", mas "faz um alerta" e "apenas orienta doses seguras caso o médico prescreva". Nesta terça-feira, Mayra voltou a fazer uma diferenciação entre "recomendação" e "orientação".

'Missão em Manaus'

Em sua fala inicial, Mayra Pinheiro citou a missão do Ministério da Saúde a Manaus, no início de janeiro, comandada por ela. A ida do grupo ocorreu dias antes do colapso no oxigênio. Segundo ela, a pasta reuniu dados para dar“respostas rápidas e eficientes a população amazonenses, através do atendimento de todas as demandas das secretarias locais”. E “só quem esteve lá tem a dimensão do que aconteceu e do que era possível fazer ou não fazer”.

— Tive a honra de poder contribuir junto dos técnicos do Ministério da Saúde na maior missão médica de que já participei. Manaus entra na minha história como um exemplo de luta de homens e mulheres que deixaram para trás as suas famílias, o medo, o conforto dos seus lares para cumprir a tarefa — disse Mayra.

Defensora do uso da cloroquina, a secretária afirmou à CPI que era preciso ter medicamentos que pudessem tratar os que adoeciam, além das medidas de prevenção. Ela também reafirmou que é preciso respeitar a autonomia médica para receitar fármacos.

— A tomada de decisão nesse cenário repleto de incertezas exige respeito à autonomia médica concedida pelo Conselho Federal de Medicina, à soberania dos países e às orientações dos seus órgãos responsáveis pela saúde. Exige também a capacidade e nos livrarmos das afirmações categóricas das verdades eternas — declarou Mayra.

Questionada sobre a Organização Mundial da Saúde (OMS), com orientações diferentes sobre o uso da cloroquina, Pinheiro disse que o Brasil, embora membro, não é obrigado a seguir a entidade. Ela destacou também o que avaliou como  falhas da OMS, como a não consideração por algum tempo de que o vírus era transmitido pelo ar, e não apenas por gotículas. Afirmou também que a OMS orienta as mulheres com HIV a amamentarem seus filhos.

Perguntada por que ela foi a secretária do Ministério da Saúde escolhida para ir a Manaus no começo do ano, ela disse que é integrante mais antiga da pasta, é médica, e é responsável pela área de capacitação dos profissionais de saúde. Durante o período em que estava em Manaus ela negou ter recebido informações sobre a falta de oxigênio.

A secretária começou a dizer que Manaus é uma história inesquecível da vida dela, o que irritou o presidente da CPI. Aziz citou uma médica de São Paulo que fazia parte do banco de dados da secretaria comandada por Mayra Pinheiro e que foi para Manaus, onde prescreveu para uma gestante aspirar cloroquina. A paciente, porém, morreu.

Tratecov

Questionada se foi responsável pela criação do aplicativo TrateCov, Mayra respondeu inicialmente que foram técnicos do Ministério da Saúde. Após ser contestada por declarações divergentes dadas pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, ela disse que a sua secretária foi responsável pelo desenvolvimento da plataforma.

— Nós começamos a construir a plataforma. No dia 11 (de janeiro), ela foi apresentada na sua forma prototípica. E os técnicos continuaram o desenvolvimento — afirmou a secretária.

Em seu depoimento, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello disse que foi Mayra quem determinou o desenvolvimento do aplicativo:

— Foi a Secretária Mayra. Ela me trouxe como sugestão, quando voltou de Manaus, no dia 6 de janeiro.

Mayra afirmou, ainda, que a versão não finalizada do aplicativo foi usado indevidamente. Por isso, alegou que o sistema foi retirado do ar para a apuração do caso. Ela mostrou um boletim de ocorrência que foi feito para apurar a suposta invasão.

Aziz ironizou as declarações de Mayra:

— Se esse aplicativo salva vidas, por que não devolveu o aplicativo? Sabe quantos amazonenses morreram por falta de oxigênio? Centenas. Na capital e no interior.

A secretária do Ministério da Saúde acusou o jornalista Rodrigo Menegat, o primeiro a expor como era o funcionamento do sistema TrateCov à população, de ser o responsável pela "extração indevida de dados". Ela admitiu, no entanto, que não houve hackeamento, nem desvio de finalidade do aplicativo.

— Se esse aplicativo não foi hackeado, não foi modificado, por que foi retirado do ar? — questionou Omar Aziz.

— Retiramos em um primeiro momento para que pudéssemos fazer investigação — respondeu Mayra.

— E depois, por que não voltou? A senhora sabe quantas vidas se perderam? Não houve hackeamento nenhum. Não houve absolutamente nada, inclusive vamos trazer os técnicos que fizeram esse aplicativo. A senhora disse que não houve nenhuma mudança no protocolo, por que retiraram no ar? Se a senhora tinha tanta certeza que salvava vidas, por que não devolveram o aplicativo? — questionou Omar.

Diante das reclamações do senador governista Marcos Rogério (DEM-RO), Aziz disse:

— É meu estado! Não é seu estado! É meu estado.

— Até ontem estava contra o aplicativo — rebateu Rogério.

— Não entende ironia não, rapaz? — pergunou Aziz.

— Então explique que está difícil de entender. Até para seu estado entender. Presidente de CPI não é presidente para ser irônico — disse Rogério.

— Eu não enrolo, não fico tangenciando. Eu falo verdades, e falo na cara — respondeu Aziz.

Reconvocação de Pazuello

Omar Aziz defendeu a reconvocação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em seu depoimento na semana passada, ele afirmou que a determinação para o desenvolvimento do TrateCov partiu de Mayra. Há um requerimento pedindo uma nova convocação, apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que está na pauta da sessão de quarta-feira.

— O TrateCov foi lançado na cidade e Manaus, como experimento, vamos dizer assim, para não dizer cobaia. O ministro Pazuello, que mentiu muito... — afirmou Aziz, sendo interrompido por senadores governistas, que disseram que o presidente da CPI não poderia dizer isso.

— Posso, por isso ela vai ser reconvocado — rebateu Aziz.

Mayra contradisse depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello sobre quando o Ministério da Saúde tomou conhecimento da iminente falta de oxigênio em Manaus. Ela disse que acha que o alerta foi feito em 8 de janeiro. Pazuello, entretanto, disse que só recebeu informações sobre isso no dia 10, quando chegou à capital do Amazonas.

— Não houve uma percepção de que faltaria (oxigênio). De provas, é que nós tivemos uma comunicação por parte da Secretaria Estadual que transferiu para o ministro um email da White Martins dando conta que haveria um problema de abastecimento — disse Mayra, que depois afirmou acreditar que a mensagem chegou ao ministério no dia 8.

Imunidade de rebanho

Pela primeira vez, o relator Renan Calheiros usou material audiovisual para contestar a testemunha. Em um deles, Renan mostrou um vídeo em que Mayra aparece falando sobre a tese da imunidade de rebanho para crianças. Na época, a secretária afirmou que as 'medidas coercitivas' pelo isolamento social gerou pânico e que era preciso deixar as escolas e o comércio funcionando.

"O que nós criamos mantendo todas as pessoas em casa naquelas cidades que até por medidas coercitivas agiram como legisladores em estado de exceção foi causar mais pânico na sociedade e nós atrapalhamos a evolução natural da doença naquelas pessoas que seriam assintomáticas como as crianças em que a gente teria efeito rebanho", disse Mayra na gravação.

A secretária negou à CPI ter defendido a imunidade de rebanho generalizada e disse que sua tese era apenas pediátrica. Para ela, seria difícil calcular a quantidade de pessoas que teriam que ser expostas para o "benefício" ser conquistado.

— Ela não pode ser aplicada indistintamente. Não é possível prever quanto eu tenho que expor da população para atingir esse benefício (da imunidade coletiva), isso pode resultar em muitas mortes — disse Mayra sobre a imunidade de rebanho.

Questionada se ela se manifestou contra ou a favor da tese da imunidade de rebanho em outras ocasiões, Mayra negou. Também disse que não presenciou discussões no governo para utilizar a tese como estratégia de condução de ações do enfrentamento à pandemia.

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