Escudo protetor: Pessoas expostas ao coronavírus que não adoeceram inspiram novo estudo - Jornal O Globo
BRASÍLIA — Abraçar, beijar na boca, fazer sexo e dormir junto: atitudes comuns entre casais têm desafiado a ciência a entender como e por que, em alguns casos, só um dos parceiros se infecta com o coronavírus. Com o contato próximo e a convivência prolongada, pesquisadores querem desvendar qual mecanismo, possivelmente em genes do sistema imunológico, seria capaz de barrar a doença. É a chamada resistência inata à Covid-19, que pode fornecer caminhos para pesquisa e desenvolvimento de medicamentos que impeçam o contágio.
Um desses casos em potencial é o do casal Paulo Linhares, de 56 anos, e Sandra Matos, 45, ambos do Rio. O diretor de implantação de redes de telecomunicação, que só havia tomado a primeira dose da vacina à época, conta que sentiu fadiga e dores de cabeça e no corpo no fim de maio — sintomas que atribuía a uma gripe mais forte e a uma possível intoxicação alimentar antes do diagnóstico.
— Quando fiz a tomografia do pulmão, estava 25% comprometido. Minha mulher e meu filho fizeram PCR e não deu nada. O que me deixou mais intrigado foi que eu comecei a fazer uma relação dos clientes com quem estive (durante os sintomas, para avisá-los), e ninguém foi diagnosticado ou pelo menos não teve sintomas — conta Linhares. — Não me lembro de ter encontrado alguém que teve Covid e peguei. Já minha esposa, que todos os dias me beijou na boca e dormiu comigo, não se infectou.
Um grafite representando o presidente Jair Bolsonaro e o novo coronavírus contra profissionais de saúde, em São Paulo Foto: NELSON ALMEIDA / AFPCoveiro com roupas de proteção no cemitério municipal Recanto da Paz, durante o enterro de uma vítima da COVID-19, na cidade de Breves, a sudoeste da ilha do Marajó, no Pará Foto: TARSO SARRAF / AFPCoveiros em trajes de proteção carregam o caixão de uma vítima do novo coronavírus no cemitério Recanto da Paz, no Pará Foto: TARSO SARRAF / AFPEnterro, em 1º de junho, de Bruno Koki, fundador da ONG Eu Amo São Cristóvão, projeto social que entregou doações para pessoas vulneráveis durante a pandemia. Bruno morreu em decorrência da Covid-19 Foto: RICARDO MORAES / REUTERSArtistas com balões vermelhos protestam em homenagem a pessoas que morreram pela COVID-19 no país, em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERSProfissional de saúde trabalha na enfermaria da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) onde são tratados pacientes infectados com o novo coronavírus, no hospital Santa Casa em Belo Horizonte, Minas Gerais Foto: DOUGLAS MAGNO / AFPSuzana Lisboa abraça seu pai, Raul Lisboa, 89 anos, através de uma cortina de plástico instalada em abrigo para idosos em São Paulo Foto: RAHEL PATRASSO / REUTERSProfissionais de saúde do governo viajam de barco para visitar uma comunidade ribeirinha de Santa Maria, a fim de testar os moradores como uma medida contra a pandemia de coronavírus no sudoeste da ilha de Marajó, no Pará Foto: TARSO SARRAF / AFPFuncionário de limpeza desinfecta uma rua no sudoeste da ilha do Marajó, no Pará Foto: TARSO SARRAF / AFPPessoas se exercitam no primeiro dia de praias reabertas para esportes individuais, na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, Brasil Foto: PILAR OLIVARES / REUTERSAgentes de saúde testam uma moradora da comunidade ribeirinha de Roli Madeira, em no estado do Pará, Brasil Foto: TARSO SARRAF / AFPUm agente de saúde mostra um teste Covid-19 na comunidade ribeirinha de Roli Madeira Foto: TARSO SARRAF / AFPImagem de coveiros enterrando uma pessoa no cemitério de Nossa Senhora Aparecida, no bairro de Tarumã, em Manaus, durante pandemia de coronavírus Foto: MICHAEL DANTAS / AFPManifestante contrário ao governo brasileiro segura um cartaz representando o caixão de uma vítima da Covid-19 com a mensagem "30.000 mortes, e daí?", durante um protesto chamado "Amazonas pela Democracia", em referência à fala do presidente Bolsonaro Foto: BRUNO KELLY / REUTERSPessoas são vistas através de uma câmera térmica usada para detectar altas temperaturas do corpo na rodoviária central e na estação central do metrô, em meio ao surto da doença por coronavírus (COVID-19) Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERSMovimentação de passageiros na rodoviária central de Brasília, em meio ao surto de coronavírus Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERSMembro do Médicos Sem Fronteiras olha para um garoto da tribo Warao, o segundo maior grupo indígena da Venezuela, que sofre de sintomas do novo coronavírus, em Manaus, no Amazonas Foto: MICHAEL DANTAS / AFPCoveiros vestindo roupas de proteção enterram o caixão de uma vítima da COVID-19, no cemitério São Luiz, em São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / ReutersO presidente Jair Bolsonaro participa da inauguração de um hospital de campanha em Águas Lindas, no estado de Goiais Foto: SERGIO LIMA / AFPProfissional de saúde cuida de um paciente na enfermaria da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde pacientes infectados com o novo coronavírus estão sendo tratados no Hospital Público Doutor Ernesto Che Guevara, na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro Foto: MAURO PIMENTEL / AFPPessoas desfrutam de tarde de sol na praia de Arpoador mesmo diante da proibição da permanência na areia das praias da cidade do Rio em meio ao surto de Covid-19 Foto: RICARDO MORAES / REUTERSUma mulher toca as estátuas dos escritores brasileiros Mário Quintana e Carlos Drummond de Andrade com máscaras, em Porto Alegre Foto: DIEGO VARA / REUTERSSepultadores carregam um caixão de vpitima da Covid-19 no cemitério municipal Recanto da Paz, em Breves, no Pará Foto: TARSO SARRAF / AFPFuncionários limpam tinta vermelha derramada por um manifestante na rampa de acesso do Palácio do Planalto, em Brasília Foto: SERGIO LIMA / AFPUm profissional de saúde da cidade de Melgaço chega a uma pequena comunidade ribeirinha no rio Quará, onde oito famílias vivem sem eletricidade, para prestar assistência médica a seus moradores em meio à disseminação do coronavírus, no sudoeste de Marajó Ilha, no Pará Foto: TARSO SARRAF / AFPAtivistas da ONG Rio de Paz em trajes de proteção cavam sepulturas na praia de Copacabana para simbolizar os mortos pela COVID-19, durante uma manifestação no Rio de Janeiro Foto: PILAR OLIVARES / REUTERSPessoas usam máscaras protetoras e esperam na fila para entrar no shopping Nova América quando shoppings reabrem em meio ao surto de coronavírus no Rio de Janeiro Foto: RICARDO MORAES / REUTERSAs pessoas caminham por uma rua comercial em São Paulo, enquanto a cidade relaxa as restrições e permite a abertura do comércio Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSFuncionário do Ministério da Educação entrega kits de merenda escolar para locais carentes em Megalço, no Pará, Brasil Foto: TARSO SARRAF / AFPBanhistas ignoram restrições de acesso às praias cariocas, no Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, em meio ao surto de coronavírus Foto: SERGIO MORAES / REUTERSAs pessoas assistem a um filme no cinema drive-in enquanto as salas de cinema permanecem fechadas, em São Paulo Foto: NELSON ALMEIDA / AFPManifestantes participam de um protesto contra o presidente Jair Bolsonaro, enquanto mantêm distância social em frente ao Congresso Nacional, em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERSProfissionais de saúde realizam testes para COVID-19 em taxistas no sistema drive-thru no Sambódromo do Rio de Janeiro Foto: RICARDO MORAES / REUTERSArtista se apresenta com um balão vermelho em forma de coração durante um protesto em homenagem a pessoas que morreram pela Covid-19 no Brasil, em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERSElisete Navarro Curci visita seu marido, Adhemar Curci, internado por causa da COVID-19 na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Instituto Emilio Ribas, em São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSClientes caminham pelos corredores do Mercadão de Madureira durante sua reabertura no Rio de Janeiro Foto: PILAR OLIVARES / REUTERSUm funcionário mede a temperatura de um cliente na entrada de uma loja, em São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSUm coveiro descansa no cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro, durante o surto de coronavírus Foto: IAN CHEIBUB / REUTERS
História semelhante viveu o casal de estudantes de direito Willian Azevedo e Eunice Xavier, ambos com 22 anos. O jovem teve um quadro moderado de Covid-19, sentiu falta de ar e precisou ser hospitalizado ainda em julho, dias antes de ser elegível para a vacina. Já a namorada dele, mesmo em contato próximo e quase diário, não desenvolveu sintomas e teve resultado negativo do RT-PCR.
— Ficamos juntos no sábado, no domingo e nos vimos durante a semana Na quarta, quando começaram os sintomas dele, a gente se abraçou, se beijou, dirigi o carro dele... Quando saiu o (resultado) positivo dele e o meu negativo, a gente foi direto ao hospital. Ele tomou medicação e eu fiquei em observação. Por orientação médica, me isolei em casa para ver se iria desenvolver algum sintoma e não tive nada — relembra Eunice.
Não há estatísticas que estimem a ocorrência dos chamados casais discordantes, mas o fenômeno pode contribuir para o avanço do que já se sabe da prevenção e do tratamento à doença. Um estudo, capitaneado pelo consórcio internacional COVID Human Genetic Effort, busca identificar quais mecanismos desencadeariam quadros graves em pessoas sem comorbidades, por exemplo. O grupo reúne cerca de cem laboratórios ao redor do mundo.
— Não temos tratamento específico para o vírus. Uma das formas de encontrá-lo é entender que mecanismos permitem que ele entre e se replique mais facilmente no organismo e em que situações o corpo impede a infecção — descreve a imunologista e professora de Medicina Translacional do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, Carolina Prando, que participa da iniciativa.
Publicado na revista científica Nature, o artigo “A global effort to dissect the human genetic basis of resistance to SARS-CoV-2 infection” (em tradução livre, “Um esforço global para dissecar a base genética humana da resistência à infecção por SARS-CoV-2”) dá o pontapé inicial da investigação, que se estenderá durante os próximos meses.
— (O trabalho) não traz respostas, mas perguntas — declara Prando.
Falhas imunológicas
Em trabalhos anteriores, o consórcio de pesquisadores já descobriu falhas no sistema imunológico que ajudavam a explicar casos graves em pessoas sem comorbidades. Entre elas, alterações em genes que coordenam a produção dos interferons tipo 1, proteína fabricada por leucócitos e fibroblastos para atrapalhar a reprodução de microrganismos e células tumorais e favorecer a defesa em outras células.
Outra falha são os autoanticorpos, isto é, um anticorpo que neutraliza o interferon tipo 1. A médica compara a situação a uma espécie de “doença autoimune” subjacente, que não seria descoberta sem a pandemia, e explica que esse interferon é uma “via essencial” no combate à Covid-19:
— Cerca de 10% de pessoas com Covid grave podem ter esses autoanticorpos e esse percentual aumenta conforme a idade. A presença deles é responsável por cerca de 20% dos casos de pneumonia de Covid-19 letal acima dos 70 anos.
O artigo lembra casos de resistência inata à infecção, como a tuberculose. A ideia é não só entender o que impede a infecção, mas também desenvolver medicamentos.
“Pretendemos identificar genes candidatos com variantes potencialmente raras. Essas variantes são de particular interesse por dois motivos. Em primeiro lugar, podem fornecer uma compreensão profunda das vias biológicas essenciais envolvidas na infecção pelo SARS-CoV-2. Em segundo, permitirão o desenvolvimento de intervenções terapêuticas inovadoras”, escrevem.
Os pesquisadores já contam com 400 amostras de pacientes brasileiros e de outros países. Participam do trabalho ainda o imunologista Antonio Condino-Neto e a bióloga molecular e geneticista Mayana Zatz, da USP.
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