"Parei de escutar após passar por uma complicação cardíaca". A afirmação pode soar estranha para alguns, mas a verdade é que isso realmente pode acontecer: embora não haja uma relação causal direta entre as doenças cardiovasculares e a perda auditiva, existe, sim, um conjunto de evidências que sugere haver uma ligação entre elas, inclusive com diversos estudos sendo realizados ao longo dos últimos anos.
Um deles, conduzido pela Universidade Harvard (EUA), identificou uma correlação significativa entre a doença cardíaca e os danos auditivos. De acordo com o levantamento, a perda da audição é 54% mais comum em pessoas com complicações cardíacas.
Em outro estudo, publicado no American Journal of Audiology (2010), os autores revisaram diversas pesquisas realizadas no período de 60 anos sobre saúde cardiovascular e a sua influência na questão auditiva. As descobertas confirmaram que a má saúde cardiovascular afeta, negativamente, tanto o sistema auditivo periférico quanto o central.
Mas o que a saúde do coração tem a ver com a audição?
A resposta está na circulação sanguínea, uma das principais funções do coração. É através do bom funcionamento do órgão que o sangue é bombeado para o corpo todo. Um problema na distribuição e o nosso sistema auditivo também pode sofrer as consequências.
O fato é que a maioria das doenças cardiovasculares está ligada a danos nos vasos sanguíneos, especialmente devido à pressão alta (hipertensão) e por conta de artérias rígidas e estreitas (aterosclerose), em decorrência de altos níveis de colesterol. Problemas que podem causar bloqueios ou rupturas dos vasos, levando a dores no peito e até consequências mais sérias, como um infarto ou AVC (acidente vascular cerebral).
Há ainda os distúrbios do músculo, válvulas e ritmo do coração que acarretam outras questões, tais como a insuficiência cardíaca (o coração não consegue bombear o sangue como deveria). O que isso quer dizer? Que um sistema cardiovascular ineficiente pode prejudicar o fluxo de sangue para o ouvido interno, causando, a longo prazo, a perda auditiva.
A circulação do sangue no ouvido
Embora o ouvido seja um órgão poderoso, também é muito sensível. Irrigado por diversas artérias, requer um fluxo de sangue constante, rico em oxigênio e nutrientes, para manter seu funcionamento. A parte interna da orelha é extremamente pequena, o que a torna mais suscetível a qualquer mudança nesse fluxo.
O que as pesquisas evidenciam é que uma doença cardíaca pode reduzir o sangue que chega ao local, o que, por sua vez, pode causar danos a diferentes partes do sistema auditivo, complicações que resultam em prejuízos nas vias auditivas neurais (responsáveis por conduzir informações ao sistema auditivo central) ou permanente perda da audição neurossensorial.
De forma resumida, funciona assim: as células ciliadas da cóclea (porção anterior do labirinto, localizada no ouvido interno) são aquelas que desempenham função importante na tradução dos ruídos captados pelos nossos ouvidos em impulsos elétricos, para que o cérebro interprete-os como um som reconhecível.
A má circulação e uma irrigação sanguínea insuficiente na cóclea podem causar danos e até mesmo a destruição dessas células. Como elas não se regeneram, o quadro resulta na perda auditiva. Quando isso acontece, é possível que o indivíduo também passe a ouvir zumbidos. Aquele som chato que não desaparece.
Ou seja, o zumbido, apesar de não ser uma doença, pode indicar a presença de complicações de saúde ou agravamento de questões que envolvem o coração. Podemos dizer que é um indício de problemas metabólicos (pressão alta, colesterol e diabetes) e cardiovasculares. Além disso, é possível que seja derivado de uma doença otológica, questões farmacológicas, neurológicas e odontogênicas (disfunção na articulação da mandíbula e músculos ao redor).
E aqui o problema vai além e pode se transformar num ciclo vicioso: esse ruído excessivo durante um longo período pode gerar estresse crônico, afetando negativamente o coração e, consequentemente, a saúde auditiva. Assim, podemos considerar o estresse como um fator de risco compartilhado, uma vez que níveis elevados de estresse reduzem o fluxo de sangue e oxigênio para órgãos vitais, incluindo tanto o coração quanto o sistema auditivo.
Problemas auditivos por conta de um derrame
Um acidente vascular cerebral, o popular derrame, ocorre quando o suprimento de sangue para o cérebro é bloqueado ou interrompido por alguma razão, com vasos entupidos ou que se rompem.
Se um AVC ocorrer nas áreas responsáveis por aquilo que ouvimos, é grande a chance do indivíduo experimentar mudanças negativas em sua audição, que incluem dificuldade em reconhecer palavras ou sons, percepção de que sons normais são incomuns ou estranhos, e até "alucinações auditivas" (ouvir coisas que não existem).
Lóbulo espesso da orelha: indício verdadeiro ou falso?
Lóbulos espessos das orelhas (ou um vinco diagonal do lóbulo da orelha) podem ser outro alerta para a saúde do coração. Conhecido como "sinal de Frank", a evidência se tornou conhecida pelo médico americano Sanders Frank, em 1973. Foi ele o primeiro a descrever a possível associação. Desde então, numerosos estudos, inclusive com grupos de controle, têm investigado a relação.
A justificativa é que lóbulos espessos das orelhas contêm gordura e colesterol e, da mesma forma que são depositados no local, podem também estar comprometendo o revestimento interno das artérias, aumentando o risco de aterosclerose (acúmulo de placas de gordura). Ou seja, essas mudanças visíveis poderiam indicar alterações similares, mas que não podem ser vistas, nos vasos sanguíneos do coração.
A questão divide opiniões. Há pesquisas que defendem e apontam evidências para a relação e outros, no entanto, que associam os vincos do lóbulo da orelha a uma característica normal do processo de envelhecimento. A verdade é que esse pode até ser um sinal interessante a ser observado, mas hoje temos outros fatores de risco mais significativos e concretos para monitorar doenças e complicações que acometem o coração e os vasos sanguíneos.
Quando se trata de prevenir e cuidar do sistema cardiovascular e consequentemente da saúde auditiva, é imprescindível estar atento a pressão, colesterol e diabetes, assim como manter uma rotina de exercícios físicos e uma alimentação balanceada. Também é fundamental controlar o peso, ter conhecimento do histórico familiar de questões cardíacas, evitar o cigarro, álcool e outras drogas, além de reduzir os níveis de estresse, cuidar do sono e manter em dia o check-up de saúde.
Surdez por problemas no coração: isso é possível? - VivaBem
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