Fumante por três décadas, Vera Lúcia Cavalcanti de Sá, 67, tinha abandonado o hábito havia seis anos quando foi diagnosticada com câncer de laringe —fumar aumenta em 10 vezes o risco de desenvolver a doença. Com sintomas como rouquidão e pigarro na garganta, o quadro da aposentada foi tratado com refluxo, mas alguns meses depois ela recebeu o diagnóstico e tratamento corretos. A seguir, ela conta sua história:
"Fumei dos 20 aos 50 anos, fumava em média um maço por dia, alguns dias menos, outros mais —principalmente aos finais de semana ou quando ficava estressada. Aos 50, fiz uma promessa e abandonei o hábito após uma das minhas noras passar por um problema de saúde.
Seis anos depois, apresentei os primeiros sintomas da doença, que foram aparecendo de forma gradativa. Um deles foi a rouquidão, notei que a minha voz foi ficando mais rouca do que já era.
Também comecei a ter uma constante sensação de pigarro, parecia que tinha uma gosma, secreção, catarro na garganta. Ficava forçando tossir para tentar tirar, mas não saía, era desagradável e me incomodava bastante. Além disso, tive quatro episódios de engasgos.
Busquei ajuda de um otorrino para ver a questão do pigarro, fiz alguns exames, ele disse que era refluxo, sinusite, me indicou um remédio que usei por oito meses, mas continuei com os sintomas.
Em fevereiro de 2012, estava em uma reunião familiar quando tossi e saiu um catarrão de sangue. Na hora me desesperei e lembrei do meu pai que morreu com câncer de pulmão e teve esse mesmo sintoma.
Fui ao hospital mais próximo, fiz vários exames, entre eles a laringoscopia, mas a laringe estava muito obstruída. O médico suspeitou da possibilidade de ser um câncer de laringe e quis me internar para fazer uma investigação mais a fundo, mas preferi me internar em outro hospital que já costumava frequentar. Lá, fiz uma biópsia e foi confirmada a suspeita: tinha um carcinoma de laringe, em estágio 3.
Fiquei angustiada, mas, ao mesmo tempo, tive a intuição de que não iria morrer, tinha certeza de que ia ser curada.
Toda minha família entrou em desespero, mas falei para eles não se acovardarem, para eles ficarem tranquilos que eu ia ficar bem.
No dia seguinte, recebi alta e fui a uma clínica de oncologia dar início ao tratamento. O médico explicou que a causa do meu câncer muito provavelmente era pelo fato de eu ter fumado cigarro por muitos anos. Ele disse que meu caso era cirúrgico, que eu teria que tirar a laringe e a faringe, um procedimento chamado de faringo-laringectomia total.
Tomei a decisão que meu coração pediu e disse que não iria operar —tinha 56 anos na época, não queria me mutilar e nem usar traqueostomia a vida toda. Meus filhos e noras choraram porque queriam que eu operasse, mas respeitaram minha escolha.
Alguns dias depois, já comecei a quimioterapia, fiquei internada após cada uma das cinco sessões que fiz. Mesmo passando muito mal, não via a químio como algo ruim, pelo contrário, via como como meu coquetel de luz, minha cura.
Claro que fiquei triste quando meu cabelo caiu, mas assumi a careca, doei as perucas que ganhei e usava lenços quando tinha algum compromisso especial para compor meu look.
A segunda etapa foi fazer 31 sessões de radioterapia. Na 22ª, minha garganta começou a queimar, fiquei sem saliva, tive que fazer uma gastrostomia para poder me alimentar por sonda, mas retirei quando acabaram as sessões.
Meu tratamento durou oito meses, tive momentos difíceis, mas levava de forma leve e hoje estou curada.
Desde que fiquei viúva, aos 41 anos, e precisei criar meus três filhos, me posicionei como uma mulher guerreira, valente e otimista para enfrentar qualquer adversidade. A rede de apoio que tive da minha família e da equipe que cuidou de mim também foi muito importante.
O câncer foi um deserto que me trouxe aprendizados e me transformou em uma pessoa melhor. O fumo é a principal causa do câncer de laringe, eu sabia dos malefícios quando fumava, mas a gente nunca imagina que o pior vai acontecer, um dia a conta chega.
Encorajo as pessoas a abandonarem esse hábito, a buscarem ajuda profissional, se necessário, e a terem bons hábitos. A saúde é o nosso maior tesouro."
O que é o câncer de laringe
O câncer de laringe é uma doença que surge do crescimento anormal das células da laringe —órgão da garganta que produz a voz—, de forma desorganizada ou acelerada. O tumor pode se desenvolver em uma das três áreas do órgão: supraglote, glote e subglote.
Há uma estimativa de 184,6 mil novos casos anuais de câncer de laringe no mundo e 99,8 mil mortes, de acordo com o Global Cancer Observatory. No Brasil, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer), são previstos 7.650 novos casos anuais de câncer de laringe.
O tabagismo e o consumo em excesso de bebidas alcoólicas são os principais fatores de risco para a doença. Mas outros podem estar associados, como infecções pelo HPV e refluxo gastroesofágico.
Os principais sintomas do câncer de laringe são dor na garganta, rouquidão persistente, alteração na qualidade da voz, leve dificuldade de engolir e sensação de "caroço" na garganta. Nas lesões avançadas das cordas vocais, pode ocorrer ainda dificuldade mais severa para engolir, para respirar ou falta de ar.
Alguns desses sintomas podem causar confusão e levar o médico a achar que pode ser um quadro de laringite, faringite e/ou amigdalite. Se os sintomas persistirem por mais de três semanas, é fundamental que eles sejam investigados, pois podem ser decorrentes de infecções e inflamações, mas também podem ser de um câncer.
Cerca de 30% dos casos de câncer de laringe poderiam ser evitados com algumas mudanças de comportamento, como manter o peso corporal adequado; não fumar qualquer tipo de cigarro como o cachimbo, charuto, narguilé cigarro eletrônico, cigarro de palha; evitar o consumo de bebidas alcoólicas; tratar o refluxo gastroesofágico e estar com a vacinação contra o HPV em dia.
O tratamento depende do estadiamento (estágio) do tumor, isto é, o quão avançado ele está. Nos casos iniciais, pode ser tratado com radioterapia ou cirurgia local. Nos casos mais avançados, há situações em que a laringe pode ser preservada e o paciente realiza radioterapia junto com a quimioterapia. Em outros casos, não é possível e pode ser necessária fazer uma laringectomia total —que é a retirada completa do órgão.
Quanto mais precoce o diagnóstico, maior a chance de cura. Quando a doença está localizada na laringe, a chance de o paciente estar vivo cinco anos após o tratamento supera 80%. Essa taxa cai para em torno de 30% quando há metástase à distância —ou seja, as células cancerígenas já atingiram outros órgãos.
Fonte: Aline Lauda Chaves, oncologista clínica do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço.
'Catarro que eu queria tirar da garganta era um tumor de laringe' - VivaBem
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