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Tuesday, December 13, 2022

Barco-hospital e cesárea inédita: projeto leva saúde à região do Tapajós - VivaBem

Outras expedições deverão ocorrer em 2023 e nos anos seguintes na região. Segundo os coordenadores da missão, o objetivo é, a longo prazo, contribuir para melhorias nos índices de saúde de Belterra, ao mesmo tempo que instiga os doutores da próxima geração a desenvolverem um pensamento crítico e reflexivo sobre as necessidades de comunidades menos favorecidas.

VivaBem conversou com alguns dos voluntários e conta histórias de atendimentos que marcaram os 15 dias da primeira missão.

A história de um parto

No dia 5 de outubro, a voluntária Luiza Muniz realizou, pela primeira vez, uma cesariana. Alguns minutos depois do procedimento, no entanto, a estudante de Palhoça (SC), que foi supervisionada pelo obstetra Rodrigo Nunes, descobriu que o ineditismo do procedimento ia além de sua trajetória pessoal: envolvia também a do próprio centro cirúrgico.

parto cesáreo - Divulgação - Divulgação

No dia 5 de outubro, a estudante Luiza Muniz, com o auxílio do obstetra Rodrigo Nunes, realizou, pela primeira vez, um parto cesáreo, no Hospital Municipal de Belterra

Imagem: Divulgação

"Quando o doutor Rodrigo perguntou ao hospital se ele estava autorizado a realizar o parto, as enfermeiras falaram 'olha, Dr. Rodrigo, não estamos acostumados a realizar isso aqui no hospital, mas se o senhor quiser, fica à vontade'", relembra Muniz. O médico foi autorizado pelo prefeito de Belterra a realizar a intervenção cirúrgica, no Hospital Municipal de Belterra. "Depois, eles nos contaram que foi o primeiro parto cesáreo feito ali", diz a estudante.

A cesariana foi indicada após avaliação médica, já a que gestação alcançava 42 semanas e o risco de fazer um parto natural aumenta a partir da 41ª. Encaminhar a mulher para Santarém, cidade vizinha situada a cerca de 50 km —atitude até então adotada pelo hospital nesses casos— era arriscado. No caminho, tanto a mãe quanto o bebê poderiam não sobreviver.

Após o parto, que foi bem-sucedido, e a saída dos voluntários da região, a equipe foi notificada que o estabelecimento passou a realizar cesarianas em casos nos quais a intervenção era indicada.

"Conseguimos provar que o hospital tinha capacidade de fazer uma cesárea, porque a gente montou o atendimento à criança e fizemos a capacitação das enfermeiras", comemora Lena Peres, médica e também coordenadora da missão. A reportagem pediu para o Hospital Municipal de Belterra comentar o caso, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

Intercâmbio de saberes

No meio de um atendimento, a estudante Sara Tomaz, 26, se viu diante de um dilema: pedir ou não para a paciente deixar de comer farinha? A mulher, diagnosticada com diabetes tipo 2, contou que consumia o alimento em quase todas as refeições.

Apesar de saber que o item não é o mais indicado para quem precisa fazer restrição de carboidratos, Sara concluiu que não podia simplesmente pedir para que ela excluísse a farinha de sua dieta.

sara - Divulgação - Divulgação

A infectologista e coordenadora da missão Lena Peres atende paciente junto à estudante de medicina Sara Tomaz

Imagem: Divulgação

Pouco tempo na região foi suficiente para que a estudante de uma faculdade situada em Natal (RN) percebesse que o alimento não é só um acompanhamento, mas um item básico na mesa de quem vive no município, especialmente às margens do rio Tapajós, onde geralmente é consumida a versão feita de mandioca, seja na forma pura ou misturada com sal, açúcar ou água.

Em alguns lares nos arredores do rio, a voluntária notou que essa era uma das poucas opções de comida disponíveis. Ela precisou pensar em uma alternativa para a paciente: "Olha, essa farinha acaba se transformando em açúcar no seu corpo, o que não é bom para quem tem diabetes. Então, quais são as outras coisas que a gente pode cortar ou diminuir no seu dia a dia, para que você consiga manter um pouco dessa farinha que a senhora tanto gosta?".

Entre uma consulta e outra, a importância de atender a população levando em conta as características socioculturais do lugar era reforçada aos futuros médicos pela infectologista Lena Peres.

"Se alguém dissesse 'ah, eu vou passar um soro fisiológico para o paciente lavar a narina', eu questionava 'e quando não estivermos aqui, ele vai buscar esse soro aonde?'", relembra a médica. "Quais são nossas alternativas para a gente explicar como é que um morador que vive às margens do rio pode fazer um soro, nem que seja uma água limpa em casa?", exemplifica.

Ao mesmo tempo em que a gente atendia a população, também aprendíamos muito com os saberes locais, principalmente em relação aos óleos anti-inflamatórios, como o de andiroba, que é muito usado na região. A gente aprendeu muito com os moradores. Luiza Muniz, estudante de medicina

missão - Divulgação - Divulgação

Médicos e estudantes de medicina atenderam 16 comunidades ribeirinhas e 3 comunidades indígenas situadas na região do tapajós no município de Belterra (PA)

Imagem: Divulgação

Olho no olho

Sara guarda na memória a imagem de uma paciente que, apesar de ter sido diagnosticada com um câncer de mama avançado, não aparentava ter consciência da gravidade da doença, tampouco seus familiares.

A mulher, de 55 anos, contou à estudante que havia feito uma sessão de quimioterapia em um hospital no município vizinho Santarém, mas, pelo que a futura médica deduziu, ela desistiu de acompanhar o tratamento devido aos seus efeitos colaterais. "Parece que ela não teve a orientação se deveria fazer ou não a químio".

Os exames que denunciavam a presença do câncer estavam guardados dentro de uma pasta e a paciente também tinha dificuldades com a compra de medicações para tratar outro problema.

A estudante de medicina Julia Canfild, 21, foi uma das voluntárias do projeto - Divulgação - Divulgação

A estudante de medicina Julia Canfild, 21, foi uma das voluntárias do projeto

Imagem: Divulgação

Wesley Rodrigues dos Santos, 25, viveu uma experiência semelhante no último dia do projeto. Um paciente que ele atendeu tinha indícios da presença de um câncer, mas o morador de Belterra ainda não havia ido ao hospital buscar o resultado da tomografia para confirmar a suspeita. "O homem tinha pavor de descobrir o que estava no exame, mas a vida dele dependia daquele papel", lembra o futuro médico.

Como convencê-lo de que era necessário ler o documento? O voluntário, que estuda em uma faculdade na Bahia, encontrou a resposta depois de bater o olho em uma tatuagem no braço do belterrense.

Perguntou sobre a arte e descobriu que os quatro nomes marcados com tinta em sua pele eram de seus filhos, o que abriu espaço para uma conversa sobre laços e vida. "Conversei com a enfermeira e com a agente comunitária de saúde dele e tentamos montar um ambiente em que a gente pudesse verificar o resultado do exame juntos", conta.

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O estudante Wesley Rodrigues dos Santos, 25, é um dos voluntários do projeto Missão Amazônia

Imagem: Divulgação

Os dois casos não demandaram um daqueles instrumentos médicos sofisticados com os quais os estudantes estavam adaptados a lidar no dia a dia, antes de chegarem em Belterra.

Para Sara, tudo que pareceu necessário diante da paciente oncológica foi o exercício de escuta entre médico e paciente. "Foi muito importante conversar olho no olho com ela e dar um conforto para que essa etapa final da vida dela fosse menos sofrida", diz. A futura médica, que entrou na faculdade com a intenção de uma dia se tornar oncologista, interpretou o atendimento como um sinal.

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