Aos 2 anos, Washington Soares Santos, 41, foi diagnosticado com hemofilia congênita, uma doença genética que prejudica a coagulação do sangue. Hoje, ele comemora o surgimento de novas terapias para a doença e conta que a musculação mudou sua vida. Confira o relato completo:
"Meu diagnóstico de hemofilia congênita [quando a pessoa já nasce com a doença] foi aos 2 anos de idade. Foi durante uma operação simples, de fimose, que perdi muito sangue. Os médicos ficaram assustados com a quantidade e eu não tinha históricos de problemas com a coagulação. Com isso, fizeram alguns exames e descobriram que eu tinha hemofilia.
Dos meus sete meses até meus 2 anos, tinha alguns hematomas enquanto aprendia a andar, mas minha mãe achava que era normal, típico de uma criança nesta fase de aprendizado. Mas os hematomas eram maiores, muito diferentes.
No começo da adolescência, era bem chato, pois questionava por que meus amigos podiam fazer certas coisas e eu não. Na época, o medicamento era apenas sob demanda, ou seja, quando tinha um sangramento, ia até o hospital e tomava o remédio.
Por isso, pessoas com hemofilia eram incentivadas a não fazer nada que as colocasse em risco no sentido de causar uma hemorragia, principalmente em esportes de contato. Lembro que o meu maior medo era da injeção no hospital.
Da adolescência para frente, o tratamento passou por algumas mudanças. Hoje, inclusive, temos a profilaxia [que evita os sangramentos de forma preventiva]. Mas quando eu era adolescente, não tinha isso. Qualquer pancada no joelho, já inchava. Com isso, corria para o hospital para tomar o remédio.
Com novos medicamentos, ganhamos qualidade de vida
Gosto de valorizar a medicação que temos hoje porque foi um avanço mesmo e, com isso, ganhamos muita qualidade de vida. Podemos fazer atividades físicas, viajar... Digo isso porque, quando mais novo, para fazer uma viagem à praia, por exemplo, precisávamos tomar todo cuidado possível para não ficar em risco.
Tinha 16 anos e fui à praia com alguns amigos. Fui pular na piscina e bati meu tornozelo na borda. Saí de um jeito que não conseguia mais andar ou por o pé no chão de tão forte que foi.
Esse acontecimento estragou a viagem de todo mundo. Dois amigos me levaram ao hospital e ficaram comigo. Poderia ter acontecido com qualquer outra pessoa? Sim, era só colocar um gelo que teria passado, mas para pessoas com hemofilia, não passa rápido assim, não conseguia mais fazer nada.
Me apaixonei pela musculação quando vi os resultados
Hoje, minha rotina é normal, faço o tratamento de profilaxia duas vezes na semana. Tenho algumas restrições musculares no joelho direito e no cotovelo por conta dos sangramentos que ocorreram na infância e adolescência —até costumo dizer que meu tornozelo é de um senhor de 90 anos. Além do tratamento, também faço acupuntura para auxiliar nas sequelas. Me mantenho ativo da melhor forma possível.
Quando comecei a fazer musculação, não gostava. Mas acabei me apaixonando pelos resultados. No início, pesava 57 kg e tenho 1,78 de altura, ou seja, era bem magro. Hoje, estou com 80 kg.
Mas, antes, recebi recomendações de profissionais. Conversei com um fisioterapeuta que gostaria de fazer atividade física. Ele fez uma carta do que eu podia ou não realizar e, quando cheguei na academia, pedi ao instrutor que montasse um treino.
Ele foi me acompanhando em vários exercícios e ia perguntando se me causava algum incômodo. Se sim, ele trocava para outra opção e ia adaptando.
E isso faz muito bem ao tratamento. Nosso músculo fica mais fortalecido para possíveis sangramentos. Com a pandemia, passei a treinar mais em casa. Comprei elástico e faço vários exercícios, por volta de umas quatro vezes na semana. Quando estou com bom rendimento, faço todos os dias. Quando vejo minha foto de um antes e depois [acima] —com 17 anos e, após cinco anos, com 22, vejo muita mudança. Até o meu semblante mudou.
Diagnóstico de hemofilia não é o fim
Os pais e mães de crianças que recebem diagnóstico de hemofilia devem entender que isso não é o fim. Eles não precisam se preocupar que os filhos serão limitados. A pessoa só fica limitada se não fizer o tratamento adequado. Essa criança terá, sim, qualidade de vida. Sempre.
É chato para um bebê fazer esse tratamento com seis meses ou 1 ano de idade? Sim, porque o natural não é ter de tomar remédio para o resto da vida e nem ficar tomando injeção. Mas se é para ter qualidade de vida, isso será necessário.
A partir do momento que os pais absorvem essa informação e pensam em agir da melhor maneira possível, isso chega à criança de forma positiva. Ela entende que fará parte da vida dela. São tantos avanços na medicina que, num curto espaço de tempo, acredito que teremos algo tão bom quanto o disponível hoje.
Hoje, uso minha página no Instagram para ajudar outras pessoas. Recebi o feedback de um menino que resolveu voltar ao tratamento após meus posts. É o que me motiva a continuar. O que é importa é ajuda, seja uma, duas ou 100 pessoas."
O que é hemofilia congênita?
É uma doença genética e hereditária, na qual o sangue não coagula normalmente, ocasionando sangramentos externos (quando ocorrem cortes na pele) e internos (quando acontecem dentro das articulações, dos músculos ou em outras partes internas do corpo).
A hemofilia congênita ocorre quando a pessoa já nasce com a condição, diferente da hemofilia adquirida —condição rara em pacientes que desenvolvem uma manifestação autoimune.
A doença pode ser leve, moderada ou grave. O que difere uma da outra é a quantidade de fator produzido pelo corpo. No caso da hemofilia tipo A é o fator VIII e, no tipo B, é o fator IX. "Quando a pessoa não produz nada de determinado fator, ela é considerada grave", explica Andrea Garcia, hematologista e diretora técnica do Hemocentro de São José do Rio Preto (SP).
Por ser congênita, os sintomas costumam aparecer nos primeiros anos de vida, mas de que forma? Às vezes, a criança apresenta mais choros e tem dor quando os pais encostam em algumas partes dos corpos, principalmente nas articulações.
"Por exemplo, a criança chora e não consegue colocar o pé no chão porque dói, ou não anda. Mas esse sangramento também pode ser visível, pelo nariz, gengiva ou urina", diz Garcia.
Para diagnosticar a doença, é feito um exame de sangue coletado do paciente para testar a coagulação. De acordo com a hematologista, em 70% dos casos, há histórico na família. Já em 30%, será o primeiro caso na família, na qual os parentes devem notar os sintomas já citados acima, principalmente manifestações de sangramento excessivo ou hematomas.
"Essa criança toma a vacina e fica com muito hematoma; tem sangramento em qualquer batida ou, então, começa a engatinhar e apresenta inchaços nas circulações", diz a médica.
Atividades físicas auxiliam no tratamento
O tratamento, disponível gratuitamente via SUS (Sistema Único de Saúde), depende muito de cada paciente. Se é uma pessoa com hemofilia grave —como Washington—, ele precisará de tratamento profilático, pois tem mais chance dos sangramentos espontâneos, ou seja, quando ocorrem sem nenhum tipo de trauma ou impacto na região.
Pacientes com hemofilia leve ou moderada costumam fazer o tratamento sob demanda, com reposição dos fatores, quando apresentam algum sangramento. Às vezes, o sangramento não é visível, então o paciente pode ter muita dor na região e dificuldades de mover alguma articulação. Isso é um sinal já de alerta.
"Se a pessoa não se trata e o sangramento não para, ela corre risco de vida", afirma a médica.
Outra forma de auxiliar no tratamento da doença é praticando exercícios físicos. Isso porque as atividades reduzem os sangramentos, fortalecem a musculatura, aumentam a mobilidade e favorecem a reabilitação músculo-esquelética.
"Isso, sempre, orientado por um médico ou fisioterapeuta, e não por conta própria. A atividade física entra como um tratamento. Quanto mais personalizados esses exercícios, associados a profilaxia ou o tratamento com fator, melhor para o paciente", diz Garcia.
Com hemofilia grave, ele teve sua vida transformada pela musculação - VivaBem
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