Rafaela Rosa Crispim, de 20 anos, passará por cirurgias de readequação de sexo — Foto: Rafaela Crispim/Arquivo pessoal
Uma estudante transexual, de 20 anos, moradora de Cuiabá, conseguiu na Justiça o direto de passar por cirurgias de redesignação sexual e feminização facial por meio do plano de saúde. Rafaela Rosa Crispim nasceu com o sexo biológico masculino, mas passa por transição para o feminino desde os 3 anos.
Rafaela, que também é defensora de direitos humanos e ativista LGBT, contou ao G1 que luta para conseguir as cirurgias desde 2019, quando entrou com o primeiro pedido judicial. Junto com a amiga e advogada Rafaela Borensztein ela tenta conquistar o direito de pessoas trans terem acesso a cirurgias de implante de silicone e correção das cordas vocais via plano de saúde.
Em junho de 2020, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) determinou que o plano de saúde cobrisse as cirurgias de tireoplastia – procedimento que deixa a voz mais fina - e de mamoplastia - adequação da caixa torácica para modelação dos seios - em Rafaela.
Já nessa quinta-feira (6) outra decisão do TJMT permite que a jovem faça as cirurgias de readequação de sexo.
“Estou muito feliz. Me sentindo realizada profissionalmente, pois foi um trabalho em equipe. Esperamos que com essa decisão outras pessoas também tenham o acesso que tive. Mato Grosso é um estado preconceituoso, se comparado com RJ e SP. Então ter vitórias para o público LGBT aqui é muito delicado e custoso”, ressaltou.
Rafaela Rosa Crispim é defensora de direitos humanos e ativista LGBT em Cuiabá — Foto: Rafaela Crispim/Arquivo pessoal
A jovem passou cerca de 8 anos em acompanhamento multidisciplinar e teve os procedimentos cirúrgicos indicados em caráter de urgência. Apesar disso, o plano de saúde negou a cobertura, justificando que Rafaela estava em período de carência contratual.
No entanto, na decisão, a juíza Vandymara Paiva Zanolo afirma que a jovem necessita se submeter ao tratamento indicado com urgência – devido ao quadro psiquiátrico grave –, “e, sendo assim, a cobertura é obrigatória para as operadoras de planos de saúde, haja vista que a carência máxima admitida para tratamentos nesses casos é de 24 horas”.
As cirurgias que Rafaela passará custam, em média, R$ 175 mil, fora passagens, hospedagens e medicamentos.
Os procedimentos serão realizados em São Paulo, mas ainda não há data definida, segundo a estudante.
“Escolhi ser defensora para levar Justiça e assistência jurídica a todos aqueles que não podem pagar por uma defesa de excelência. Essa vitoria não é minha, é de todos e todas as pessoas transexuais que não podem pagar por essas cirurgias”, ressaltou.
No Brasil, apenas cinco hospitais prestam esse serviço de acompanhamento para a população, e ficam em São Paulo, Porto Alegre, Rio do Janeiro, Pernambuco e Goiás.
A espera no país para iniciar o processo pode levar até cinco anos.
Transição
Rafaela começou a transição aos 3 anos, quando passou a ter acompanhamento psicológico. Segundo ela, foram cerca de 11 anos tratando o psicológico até ser “diagnosticada com desvio psicológico permanente de identidade sexual”, e iniciar o tratamento hormonal, aos 14 anos.
“Na época morava em Sinop – no norte do estado – então o atendimento era precário. Quando completei 16 anos pedi minha emancipação e fui estudar e me tratar em Curitiba. Após concluir o tratamento, retornei para MT e iniciei a faculdade de direito. Desde então venho focando minha especialização no atendimento das pessoas LGBT e saúde”, contou.
Em agosto de 2018, a jovem conseguiu os documentos pessoais após o Supremo Tribunal Federal (STF) permitir que a pessoa transsexual mudasse o nome e o gênero no registro civil mesmo sem ter feito a cirurgia de redesignação de sexo.
Agora com os novos procedimentos cirúrgicos, Rafaela dará mais um passo na conquista dos direitos LGBT.
“Uma pessoa trans, baixa renda, eu precisava fazer mais pela sociedade. Sempre quis ser a diferença. Agora a responsabilidade aumenta. São tantas pessoas de olho em mim. São muitas mensagens pedindo orientações. Nesses momentos preciso ser bem cautelosa”, ressaltou.
Durante todo o processo de transição, Rafaela foi acompanhada pela mãe. “Ela é ligada em mim e me apoia em tudo”, disse.
Transgênero é a pessoa que se identifica com o gênero oposto ao qual ela nasceu. Não há relação com orientação sexual. — Foto: Alexandre Mauro / G1
Legislação
Em 2020 novas regras para a cirurgia de transição de gênero foram aprovadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A resolução amplia o acesso à cirurgia e também ao atendimento básico para transgêneros.
A norma reduziu de 18 para 16 anos a idade mínima para o início de terapias hormonais e define regras para o uso de medicamentos para o bloqueio da puberdade. Procedimentos cirúrgicos envolvendo transição de gênero estão proibidos antes dos 18 anos. Antes era preciso esperar até os 21 anos.
Conselho Federal de Medicina publica novas regras dos procedimentos de transição de gênero
Procedimento pelo SUS
É a portaria nº 2.836 de dezembro de 2011, que instituiu a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que trata sobre o direito da cirurgia de readequação de sexo e o uso de hormônios.
O objetivo é geral da portaria é promover a saúde integral da população LGBT.
Para realizar a cirurgia de readequação de sexo pelo SUS, o acesso inicial é via Unidade Básica de Saúde (UBS).
Após esse primeiro contato, é função da rede estadual direcionar essa pessoa para um dos centros de referência habilitados pelo Ministério da Saúde que realizam o procedimento.
O G1 procurou a Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT) para informações sobre a fila de espera, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Primeira cirurgia no Brasil
A primeira cirurgia no Brasil foi anterior a qualquer resolução oficial. Ela foi feita em 1971 pelo cirurgião Roberto Farina, que chegou a ser condenado por isso. Farina também fez a primeira cirurgia em um homem transexual no Brasil – o paciente foi o psicólogo e escritor João Nery, autor do livro “Viagem solitária – memórias de um transexual 30 anos depois”.
Já a primeira cirurgia de redesignação sexual na rede pública no Brasil foi realizada em 1998, no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas. Na época, o procedimento só foi possível após a resolução 1482/97 do CFM. A primeira mulher trans a ser operada pela rede pública de saúde foi Bianca Magro, em 1998.
Transexual consegue na Justiça cirurgias para readequação de sexo pelo plano de saúde em MT: 'Realizada' - G1
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